ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | A mise-en-scène da ação: análise do filme Exilados, de Johnnie To |
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Autor | Juliana Pinheiro Maués |
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Resumo Expandido | Em obra de 2006, Aumont (p.4) afirma que os filmes de ação atualmente “já não tem o apanágio de uma concepção do cinema como arte do plano e do plano obrigatoriamente expressivo”. De fato, a continuidade intensificada, estilo da maioria da produção norte-americana recente, consolidou domínio de forma mais acentuada neste gênero – para prejuízo não apenas do plano, mas da montagem, cada vez menos trabalhada. Entretanto, no mesmo ano em que o lamento do autor francês foi escrito, um filme capaz de contestá-lo era lançado em Hong Kong: Exilados, dirigido pelo veterano Johnnie To.
Policial, artes marciais, drama, comédia: vários gêneros passaram por este diretor, que começou a carreira nos anos 1970 na televisão. Desde 1986, quando dirigiu o primeiro filme, são mais de 40 obras. Em 1996, a parceria com Wai Ka-Fai criou a produtora Milkyway Image, a mais importante do apocalíptico cenário cinematográfico da Hong Kong pós-colonial. Foi no cinema de ação que Johnnie To construiu o seu nome, em filmes como Breaking News, Profissionais do Crime, Eleição 1 e 2 e Vengeance. O universo temático das obras é habitado pela tradição da masculinidade – iniciada com Chang Cheh e perpetuada, entre outros, por John Woo. A amizade entre homens, os códigos de honra e a inclinação para o auto-sacrifício são elementos sempre presentes, inclusive na obra que nos propomos a analisar. Exilados se passa na Macau de 1998, prestes a voltar ao domínio chinês, e acompanha cinco homens unidos por uma amizade de infância e colocados em lados opostos pelo poder da tríade. To explora as potencialidades expressivas do seu tema, em uma variação pendular de violência e afeto; tensão, drama e humor. É por meio de um estilo visual bem marcado que o espectador é direcionado na diegese. Aqui, cabe lembrar as quatro funções do estilo, segundo Bordwell: denotativa, expressiva, decorativa e simbólica; todas bem desenvolvidas na narrativa. Ganha especial relevo também o conceito de mise-en-scène ou encenação. Ideia mutável, o que já foi sinônimo de “enquadrar”, adquiriu contornos mais definidos ao longo do tempo para abarcar os movimentos dos corpos dos atores, os ritmos de elocução, os olhares, a cenografia, o figurino e a iluminação (Aumont, 2006:51). A partir do chamado “segundo cinema”, agregou a polêmica quanto ao movimento de câmera: para alguns, ele está incorporado à encenação (Aumont, 2006:110), conforme enunciado por Truffaut; para outros, a exemplo de David Bordwell, pertence a um campo diverso: o da cinematografia. Algo, porém, é consenso: “a ficção é orquestrada para nosso olhar pela encenação cinematográfica, (...) construída para informar, manifestar ou simplesmente encantar visualmente” (Bordwell, 2008:29). Em Exilados, praticamente inexistem planos longos e fixos: salvo uma cena de diálogo de 2 minutos, o que vemos são planos curtos e médios, com suaves movimentos de câmera. Isso não evita que se delimite um estilo a partir das opções de encenação do diretor: planos de conjunto totalmente preenchidos, ocupando toda a extensão do quadro; pouca mobilidade dos corpos, dando relevância à orquestração dos olhares; coreografias pouco elaboradas nas cenas de tiroteio, divergindo do gunplay de John Woo e valorizando a função expressiva em detrimento da narrativa; filmagem em espaços fechados, com importância fundamental dos elementos do cenário na ação, alguns dos quais (tecidos esvoaçantes, fumaça, sinos, latas) atuam como leitmotiv em substituição ao típico flashback narrativo de Hong Kong; utilização predominante das cores verde, vermelho e amarelo (coincidentemente, as da bandeira de Portugal); iluminação que privilegia poucos pontos de luz direcionando a visão do espectador. É importante ainda evidenciar algumas referências estilísticas que To traz para o seu filme: do western, cenas evocam Leone e Peckinpah; do cinema de kung fu, a violência de níveis operísticos da sequência final, em espaço que remete aos cenários de filmes do estúdio Shaw Brothers. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. O cinema e a encenação. Lisboa: Texto & grafia, 2006.
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