ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Cinema & Teatro & Documentário: mas o que é mesmo 'mise-en-scène'? |
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Autor | Fernão Pessoa Ramos |
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Resumo Expandido | De origem francesa, o termo mise-en-scène aparece principalmente nos escritos sobre cinema a partir dos anos 50. A geração da nouvelle vague, antes de ascender à direção, ainda no exercício da crítica, encontrou na encenação um conceito bastante útil para construir seu novo panteão autoral. O termo adquire seu sentido contemporâneo através da geração dos 'jovens turcos' hitchcocko-hawksiens e dos cinéfilos chamados macmahoniens. São eles que abrem os olhos dos espectadores iniciados, para uma visão do estilo cinematográfico que vai além da elegia do 'cinema puro' das vanguardas dos anos 1920, ou da valoração de procedimentos construtivistas na montagem soviética. A valorização da mise-en-scène tem como fundamento composicional elementos estilísticos que fundam a modernidade no cinema, situando-a nos anos 50. Modernidade que, ao voltar-se sobre si, descobre elementos especificamente cinematográficos, desenvolvendo ferramental para ver o cinema que fala. Destaque é dado para a forma de decomposição do roteiro e suas falas, sustentado pela distribuição (encenação) do corpo do ator no espaço dos objetos, através do gesto e da entonação da fala (interpretação).
Fugindo de qualquer recorte mais simplista, é importante lembrar que grandes encenadores do período áureo no teatro no início do século XX (Meyerhold, Reinhardt, Stanislavski, Graig, Appia) compõem, de muito perto, a tradição da mise-en-scène, depois louvada em diretores como Murnau, Lang, Losey e Preminger. Todo o cinema expressionista tem dívida clara com as grandes encenações de Reinhardt, do mesmo modo que é difícil pensarmos no construtivismo russo, em particular Eisenstein, sem o trabalho cênico inspirado pelas experiências de Meyerhold. A comunicação irá se debruçar sobre a visão crítica contida na obra de Michel Mourlet, "Sur Un Art Ignoré", inteiramente voltada para a exploração da questão da mise-en-scène no cinema, dentro de um espírito radical, mas pleno de contribuições singulares. Mourlet descreve a mise-en-scène enquanto "mise-en-place" de "atores e objetos em seus deslocamentos no interior do quadro", frisando que a distribuição plástica de seres e de coisas deve "exprimir tudo". Para Mourlet, o âmago da mise-en-scène está nas "atitudes e reflexos corporais dos atores", ou, em outras palavras, "na sintonia de um gesto com seu espaço". Se este é o âmago de mise-en-scène no cinema, qual seria o campo da cena no documentário? A figuração, em imagem, do corpo em ação fílmica, constitui a noção de mise-en-scène. O estilo é esse movimento, conforme mal ou bem decupado no roteiro, através do qual o corpo encarna literalmente a ação. A 'encarnação' é a questão que me interessa, relacionada à reflexão que desenvolvo sobre a dimensão da presença do sujeito que sustenta a câmera, no mundo transfigurado em 'tomada'. Ao ser levado pela trama, ou pelo argumento, através dos procedimentos de estilo mencionados, o corpo adquire espessura, define-se corpo fílmico. É neste intervalo que se afirma o campo da atuação cênica. Não é um corpo qualquer, vazio, desconhecido, que se move ou olha pela cena, para o qual o cinema volta-se e o acomoda em sucessivas camadas de estilo. Trata-se de um corpo pleno de personalidade, carregado de personalidade até as orelhas. Na encenação documentária o movimento de 'direção' dá-se nesta direção. Quando a encenação, na tomada, é explorada estilisticamente em sua radical indeterminação (ligando-se umbilicalmente ao transcorrer presente em sua tensão de futuro ambíguo/indeterminado), a chamaremos de encenação direta, ou encena-ação/afecção. Quando for refratária a indeterminação do tempo presente, quando trabalhar com a encenação em estúdios, decupada em planos prévios por roteiro (por exemplo), a chamaremos de encenação-construída. |
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Bibliografia | Bordwell, David. Figuras Traçadas na Luz - a encenação no cinema. Campinas, Papirus, 2008
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