ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | O cinema faz-se escola: o amor revisitado em Pierrot le fou, de Jean-Luc Godard |
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Autor | ANA LUCIA DE ALMEIDA SOUTTO MAYOR |
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Resumo Expandido | Em JLG/JLG- Autorretrato de deciembre, Jean-Luc Godard, em epígrafe, afirma: “Los niños al nacer o los viejos al morir no hablan, ven”. Essa afirmativa godardiana ilumina, nos extremos da vida, a primazia da imagem sobre a palavra, ao mesmo tempo em que sugere uma espécie de “inocência do olhar”, em cada uma dessas etapas da existência humana. A assertiva provocadora de Godard, em seus implícitos, faz pairar no ar uma indagação: entre a infância e a velhice, o que acontece com essa potência original do ver? De que modo ela se deixa afetar, ao longo da trajetória humana, em seus diferentes processos formativos?
A obra cinematográfica de Jean-Luc Godard, ao longo de várias décadas, consolidou-se como um dos mais expressivos exemplos de inventividade e ousadia, na história da “sétima arte”, em uma espécie de reescritura contínua de motes e procedimentos. Inquieto, irreverente, provocador, o cinema de Godard, ao tensionar, nas narrativas fílmicas, diferentes linguagens de arte, revisitando conceitos, formas e propostas, acompanhando a “política (e a poética) dos autores”, tão cara “Nouvelle Vague”, “assina” seus textos audiovisuais, aproximando-os da estrutura literária, compreendida, como afirma Mário Alves Coutinho – à luz das teorias de Marie-Claire Ropars-Wuilleumier, herdeira de Maurice Blanchot: “falar do cinema (e da literatura) é se estender sobre a própria linguagem, é questionar essa última, sempre e, muitas vezes, negá-la”. Nesse sentido, o cinema de Godard afirma-se, em sua desestabilização permanente das verdades – ideológicas, estéticas -, como um jogo instigante de permanente reconstrução de sentidos. Serge Daney, analisando o que ele próprio intitula de “pedagogia godardiana”, afirma que “para aprender, é preciso ir à escola. Não exatamente à ‘escola da vida’, mas ao cinema como escola”. Recolocando essa questão indicada por Daney, como se pode pensar o aprender com o cinema? Ou ainda, o que é possível, segundo a perspectiva godardiana, “desaprender” com o cinema? Em “O therrorisado”, Daney, desenvolvendo suas reflexões acerca dessa “pedagogia godardiana”, evidencia, no cinema de Godard, uma “colagem” de discursos – anúncios publicitários, manchetes de jornais, cartazes -, mecanismo privilegiado de reconhecimento do “já-produzido”, com o qual Godard interage, em busca de um “outro”, na imagem, na palavra, no som. Nas palavras de Daney, “’Godard’ seria o espaço vazio, a tela escura na qual as imagens, os sons, iriam coexistir, reconhecer-se, neutralizar-se, nomear-se, embater-se”. Além disso, o processo narrativo godardiano não se propõe a “contar uma história” com “começo, meio e fim”; antes, contrariando a lógica narrativa clássica, instaura em seus textos cinematográficos outras possibilidades de agenciamento da matéria narrada. Em “Pierrot Le fou” (1965, França), Godard convida-nos a um percurso radical pela modernidade, por meio de uma releitura original das representações do amor, encenado em seus dilemas, contradições, singularidades e fulgurações, bastante distintas da visão estratificada do sentimento amoroso, tributária das tradições do Romantismo. Em diálogo visceral com a poesia de Rimbaud, “Pierrot le fou” oferece ao “espectador-professor” não somente a possibilidade de cotejar diferentes representações do amor, ao longo da história da literatura ocidental, de problematizar as mais diversas construções culturais contemporâneas, presentes em múltiplas mídias, mas, sobretudo, ousar a experiência do poético em sala de aula, desafiando os processos de recepção do texto fílmico – entendido, acima de tudo, como um objeto estético – no espaço da escola. |
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Bibliografia | BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
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