ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Viagens que levam ao mar no cinema latino-americano contemporâneo |
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Autor | Alessandra Soares Brandão |
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Resumo Expandido | As viagens e narrativas de deslocamento tem tido considerável relevo na cinematografia latino-americana contemporânea. Uma miríade de filmes recentes acompanha o deslocamento de personagens ao longo de todo o continente. Chama a nossa atenção, nesse contexto, a ubiquidade de imagens do mar que afloram nessas narrativas, sejam elas (1) uma consequência do objetivo final da viagem, como emViaje hacial el mar, de Guillermo Casanova (Uruguai e Argentina, 2003) e Y tu mamá también, de Alfonso Cuarón (México, 2001), ou (2) imagens que se descortinam na paisagem/passagem dos personagens em trânsito, no caso de Tan de Repente, Diego Lerman (Argentina e Holanda, 2002), Noiva Errante, de Ana Katz (Argentina, 2007) e A teta assustada, de Claudia Llosa (Peru e Espanha, 2009), ou, ainda, (3) o cenário mesmo em que se desenvolve a narrativa, como em À deriva, de Heitor Dhalia (Brasil, 2009), só para citar alguns exemplos.
A carga política e simbólica da imagem do mar surge com vigor utópico em Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, Brasil, 1964) alegorizando um movimento que chama para a revolução, no contexto específico do cinema revolucionário brasileiro - e, por extensão, latino-americano, dada a característica continental dos movimentos de cinema contra-hegemônicos e emancipatórios de meados do século XX em diversos países da América Latina. Na leitura que faz da imagem do mar que finaliza o filme de Rocha, Ismail Xavier salienta a força transformadora desse mar que se apresenta como “massa viva” que preenche a tela e “atualiza o télos” (pp. 90-91) de uma trajetória que conduz à revolução. Ainda que o filme não deixe claro se Manuel de fato chegou ao mar, como reconhece Xavier (p. 91), a força alegórica do mar, em oposição ao sertão, lugar da falta e da fome, coloca-se com uma promessa que preenche a tela e confunde-se com a própria matéria fílmica, estendendo essa promessa para além da narrativa, como que a declarar o lugar do próprio cinema nessa revolução. Para Lúcia Nagib, a matriz anti-utópica dessa imagem do mar, consequência do fracasso revolucionário do projeto socialista na maior parte do continente, aparece simultaneamente em Soy Cuba (1968), do diretor russo, Mikhail Kalatozov, e, no Brasil, em Terra em transe (1968), filme posterior de Rocha. No movimento que agora segue do mar para a terra, “o mar utópico, ligado à gênese do Brasil e das Américas, se revela então como a própria origem do autoritarismo antipopular e da luta de classes” (NAGIB, p. 43). Em ambos os casos, tanto em sua verve utópica quanto na nuanças distópicas que assumem as imagens do mar no cinema latino americano nos anos 60, a ideia de uma identidade nacional associada a conceitos de povo e classe é recorrente no horizonte desses mares. O contexto atual, por outro lado, marcado por uma inquietante circulação humana, por atravessamentos e passagens, desafia noções claras de identidade e pertencimento. Nesse sentido, as imagens de mar que surgem com destaque nas narrativas de viagem do cinema latino-americano recente demandam outras formas políticas de leitura, em consonância com a forças conflitantes de instabilidade e indicernibilidade, de hibridismos e transitoriedade que caracterizam o espaço contemporâneo. Nesse cenário atual, de deslizamentos e desestabilização das noções de origem e fim, o mar parece apontar para uma terceira margem, um horizonte amplo que vislumbra além da dicotomia utopia/distopia e amplia o debate para o âmbito da (i)mobilidade e dos cinemas trans/nacionais. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. “What is a People”. Means without End: Notes on Politics. Minneapolis: Unversity of Minnesota Press, 2000.
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