ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Um imaginário da redenção: sujeito e história no documentário musical |
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Autor | Mariana Duccini Junqueira da Silva |
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Resumo Expandido | O afluxo de documentários musicais sob o aspecto de produção e distribuição cinematográficas vem representando, no Brasil, a constituição de um público específico a tal modalidade, de forma a pensarmos em uma subtipologia (ou em um subgênero) no ainda restrito universo de filmes não ficcionais. Se atentarmos aos dados de audiência, constataremos, para além da referida profusão desses filmes, a notável adesão do público a eles. Em 2009 e em 2010, os documentários mais vistos, em salas de cinema, respondiam pela temática musical: “Simonal – ninguém sabe o duro que dei” (de Claudio Manoel, Calvito Leal e Micael Langer), com 71.400 espectadores, em 2009; e “Uma noite em 67” (de Renato Terra e Ricardo Calil), com 80.766 espectadores, em 2010. Na listagem geral de filmes brasileiros mais vistos, “Simonal” ocupou a 16ª. posição, e “Uma noite em 67”, a 17ª., nos respectivos anos de lançamento(1).
O documentário de temática musical, em nossa visada, não se refere a propostas exclusivas de divulgação/promoção comercial de determinados artistas, conforme uma limitada (porém operacional) perspectiva afim aos videoclipes ou aos registros de turnês. Trata-se de narrativas audiovisuais em longa-metragem que articulam em sua tessitura representações sobre os sujeitos sociais que constroem e sobre aspectos histórico-culturais das épocas retratadas. Delineamos, pois, como especificidade narrativa recorrente desses documentários: a construção biográfica dos sujeitos segundo uma revelação/redenção e a reposição, algo salvacionista, de uma memória acerca de acontecimentos emblemáticos de nossa história – dispersando-se na direção de uma pretensa construção identitária do referido momento histórico (“o retrato de uma época”). Interessa-nos, assim, analisar as estratégias narrativo-discursivas que sustentam essas representações sociais, legitimando o documentário musical não apenas nos limites do próprio gênero, mas na recorrência a outros espaços de prática, tangenciando assim as narrativas de natureza literária e histórica. A partir dos trabalhos de Vladimir Propp (1984) e de Claude Bremond (1973), inferimos uma organização das narrativas de acordo com funções e princípios que, a cada ato de enunciação, figurativizam-se para engendrar representações familiares (posto que sedimentadas nas práticas sociais) acerca dos atores/personagens que desenvolvem uma performance afim a certas expectativas. Igualmente, as formulações de Hayden White (2008) sobre meta-história remetem-nos ao aspecto da elaboração dos relatos dessa natureza segundo a ordem dos artefatos discursivos, o que dimensiona a história no espectro das ficcionalizações verbais. Selecionamos para a análise, no intuito de inferir algumas dessas articulações conceituais em objetos específicos, quatro documentários musicais representativos em termos de temática e de audiência. Além dos já referidos “Simonal” e “Uma noite em 67”, destacamos “O homem que engarrafava nuvens” (de Lírio Ferreira e Denise Dumont, 2009) e “Dzi Croquettes” (de Tatiana Issa e Raphael Alvarez, 2009). Materializando estratégias que hibridizam recursos referenciais e ficcionais (e, com efeito, deslocando continuamente a proposição de leitura entre os polos da informação e o do entretenimento), tais produções expressam efeitos de sentido que se estruturam pelo reestabelecimento de uma “verdade factual”, sob enunciados que articulam o tema da redenção dos sujeitos (resgatandos-o do anonimato ou da “distorção histórica”) e o tema da reinterpretação dos fatos (reposicionando as inferências históricas à luz das práticas e dos costumes culturais). Os índices de referencialidade, assim, não se mostram autossuficientes a empreender tal “reposição dos fatos”. Antes, é em vista de efeito de autenticidade (garantido por um ponto de vista que ordena o relato) que tais narrativas de temática musical se recobrem de uma certa existência autônoma no campo do documentário. (1) Informações: FilmeB e Ancine (ver bibliografia). |
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Bibliografia | BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
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