ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Paisagem e afeto: a estética do sertão em O céu de Suely e Mutum |
|
Autor | Mariana Arruda Carneiro da Cunha |
|
Resumo Expandido | O objetivo desta comunicação é investigar como o espaço fílmico é esteticamente construído e como ele revela uma poética da imagem do sertão. Situa-se na interseção da geografia e do cinema, tendo como elemento central a paisagem cinematográfica. Apesar da vasta literatura sobre o conceito de paisagem tanto no campo da geografia cultural quanto no da história da arte, as especificidades da paisagem cinematográfica ainda não foram amplamente investigadas.
A partir de trabalhos específicos como os de Martin Lefebvre, P. Adams Sitney, Maurizia Natali e Jean Mottet, procuramos estabelecer um conceito de paisagem cinematográfica para entender as funções narrativas e estéticas do espaço em filmes situados no sertão. Tomando como ponto de partida os significados históricos e simbólicos do sertão brasileiro na história do cinema nacional, indagamos qual é o papel da paisagem nos filmes O céu de Suely e Mutum, selecionados entre outros filmes contemporâneos que se situam no sertão pela peculiaridade com que articulam as relações entre os personagens e o ambiente. No plano teórico, é fundamental estabelecer a distinção entre os conceitos de cenário e paisagem. De acordo com Martin Lefebvre (2006), esta distinção baseia-se na relação do espaço com a narrativa. Se o cenário é definido como o espaço onde ações e eventos ocorrem, tornando-se assim um aspecto essencial de um filme, a ideia de paisagem sugere um espaço livre de ações e eventos. O conceito de paisagem é formulado a partir da distinção entre papergon (que se refere à paisagem como elemento marginal ou acessório para a cena) e ergon (que se refere à paisagem como tema central). A invenção da paisagem na pintura, por exemplo, revela uma mudança de foco na representação da natureza na obra de arte, de parergon para ergon, ou seja, da paisagem enquanto cenário natural para uma paisagem autônoma, segundo Anne Cauqueluin. Observaremos, ainda, a articulação do espaço, da mobilidade, da escala e da duração (durée) como elementos indispensáveis na construção da paisagem cinematográfica. Para P. Adams Sitney (1993), a paisagem emerge no ritmo do filme que alterna entre narração e descrição, ou seja, a inserção da paisagem interrompe o fluxo narrativo e dramático do filme. Temporalidade e duração são, portanto, elementos que contribuem para a autonomia estética da paisagem no cinema, fazendo com que a imagem carregue em alguns momentos todo a carga emocional do filme. Outro conceito importante para nossa análise é o de imagem-tempo, elaborado por Deleuze (1989), que se refere à capacidade do cinema de criar momentos de suspensão (stasis) na construção espacial. Para Deleuze, o cinema moderno criou situações extremas às quais os personagens são incapazes de reagir, e espaços indescritíveis de onde emergem “situações óticas e sonoras puras”. Segundo Deleuze, a importância do olhar do personagem para os objetos e o cenário permite o surgimento de experiências sensoriais. Este arcabouço teórico será delineado neste trabalho para a análise do papel da paisagem em O céu de Suely e Mutum. Ambos constroem paisagens, diferentes em suas características geográficas, mas apresentam um tratamento estético inovador baseado na composição do quadro, na relação da escala cinematográfica e na atribuição de valores à imagem, no que se refere à escala interna do quadro (a relação entre os personagens e o espaço) e à escala externa (a justaposição de diferentes tipos de planos). Por fim, analisaremos como a relação entre a figura humana e o espaço, articuladores das imagens da paisagem, funciona como expressão de afeto e como gesto poético. A presença da paisagem do sertão nestes dois filmes revela-se como uma estratégia estética e narrativa, uma maneira de ver o mundo e uma maneira de narrá-lo. |
|
Bibliografia | Beck, John. “Without Form and Void: The American Desert as Trope and Terrain.” Neplanta 2, no. 1 (2001): 63–83.
|