ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Apontamentos: cinema, sofrimento e alteridade |
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Autor | André Keiji Kunigami |
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Resumo Expandido | “Com que finalidade mostrar o sofrimento do outro?”. A partir de uma pergunta cujas respostas parecem óbvias, tentarei abrir um campo de reflexão e análise do funcionamento das imagens do cinema contemporâneo em relação à sua função ética e estética no contexto dos discursos que delineiam um campo imaginário do que é o “mundo de hoje”. Sendo o cinema “produtor de realidade”, como o quis Deleuze, desde o seu advento no seio da cultura moderna, pensaremos as potentes imbricações políticas que se dão nos códigos realistas do cinema contemporâneo, suas implicações na subjetivação dos observadores e em suas relações de alteridade, segundo um procedimento que – nossa principal hipótese – ganha força hoje pela forma como se engendra e potencializa o “efeito de real” através da representação do sofrimento, com desdobramentos políticos variados. Assim, pode-se chegar à pergunta: “com que finalidade ver o sofrimento do outro?”, sendo que este é pura representação.
Contudo, há sempre que se ter em vista que o “realismo” de que se fala não se trata senão de um conjunto de códigos, procedimento retórico cujo efeito depende de diversos fatores culturais que lhe garantem legitimidade e lhe dão funcionamento político a partir de: distinção entre quem vê e quem é representado, espaços de visibilidade dessas imagens, e discursos e outras imagens que circulam no espaço público. Aqui, propomos traçar apontamentos para uma reflexão sobre como e segundo que funcionamento a exposição realista do sofrimento do outro ganhou não somente lugar de destaque na cultura visual contemporânea, mas tornou-se objeto de demanda para a legitimação da ‘realidade’ das imagens. Nesse sentido, ainda que sendo informados por visualidades diversas e discursos da mídia, internet e outros suportes, voltaremos nossa preocupação para o cinema de ficção, cuja penetração pública é maciça (de fato, vê-se mais filme de ficção que documentários ainda) e que, dada a recente pujança das narrativas e imagens de um real contratual na cultura visual contemporânea (telejornais, internet, documentários), esta ficção carece de reflexão mais focada na chave poder-saber e suas relações ambíguas com o imaginário do real. Filmes que aparentemente atualizam, ao mesmo tempo, uma antiga preocupação de um certo cinema engajado (o “Terceiro Cinema”) na representação dos “desfavorecidos” e, de forma potente, procedimentos de constituição de um real presentificado na imagem, colocam diante de nós questões que perfuram os preceitos éticos do “dar a ver” um sofrimento. Filmes como os notórios brasileiros Tropa de Elite (José Padilha, 2007) e Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2007), o romeno 4 meses, 3 semanas e 2 dias (Christian Mingiu, 2007), o inglês Quem Quer Ser Milionário (Danny Boyle, 2008) apontam um projeto estético-político pujante, com seus contrapontos agudos, atuantes numa mesma formação histórica e espaço de disputas, como os filmes de Pedro Costa e de Jia Zhang-ke, que percorrem o circuito de festivais internacionais. Nossa preocupação trata-se, portanto, menos de uma análise pormenorizada dos filmes, mas do levantamento desse espaço de disputa que atrela sofrimento, real e alteridade por uma possibilidade estética característica dos tempos atuais. Se, num momento de um “enfraquecimento” das fronteiras da nossa hipermodernidade, um “cinema global” como proposto por Gilles Lipovetsky e Jean Serroy parece mais crível, por outro lado é importante atentar para os limites de uma ética que talvez ainda impeça uma superação do “moderno” no dispositivo de visibilidade do cinema. Por isso, a necessidade - política e teórica - de uma reflexão e levantamento mais demorados dessas representações (esvaziadas, engajadas?) de um outro que sofre, no traçado de um mundo dentro das narrativas dadas a um imaginado espectador global. |
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Bibliografia | APPADURAI, Arjun. "Modernity at Large". Minneapolis: University of Minnesota Press, 1996.
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