ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | A voz e o som no documentário animado: a proposta de Valsa com Bashir |
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Autor | Maria Ines Dieuzeide Santos Souza |
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Resumo Expandido | A partir da análise do documentário animado Valsa com Bashir (Ari Folman, 2008), a proposta deste trabalho é refletir sobre os usos literais da voz neste filme, e as relações estabelecidas entre som e imagem, no momento em que o documentarista opta por se desvincular das imagens-câmera para trabalhar com planos sintetizados graficamente. Levando em consideração o conceito de voz do documentário definido por Bill Nichols (2007), tentaremos identificar como as escolhas estilísticas do cineasta – incluindo o tratamento da narração e das entrevistas – o inserem na tradição documental.
Como destacou Jean-Claude Bernardet (2003), a possibilidade de gravação do som direto abriu ao documentarista outros universos sonoros. Com a possibilidade de gravar sincronicamente som e imagem das entrevistas, tem-se não só as falas cujo conteúdo é importante, mas também a predominância dos atos de fala, com todas as suas nuances, seus comportamentos específicos. Aproveitam-se mais os elementos de “assinatura espacial” trazidos pela gravação do som (ALTMAN, 1992). Assim, na trilha sonora de certos tipos de documentários podem ser usados os mesmos elementos dos filmes clássicos de Hollywood: música, diálogo, voz off, efeitos; o que os difere, nesse caso, é a hierarquia e distribuição desses sons (RUOFF, 1992). Valsa com Bashir é um filme de animação construído a partir de conversas e entrevistas do diretor com amigos e pessoas que estiveram envolvidas na Guerra do Líbano de 1982. Ari Folman tem com o tema abordado uma relação muito próxima, e o filme serve como uma tentativa pessoal de reconstruir uma memória dolorosa. Não há a intenção de contar a “grande História”, mas de reconstruir o passado daqueles que estiveram diretamente envolvidos. O que temos aqui são relações que se configuram menos como “entrevistador-entrevistado” – quando normalmente o cineasta está atrás da câmera e detém o poder das perguntas – e mais como “uma relação de pessoa a pessoa” (BERNARDET, 2003, p. 290). O diretor se coloca ao lado dos outros personagens, estabelecendo diálogos. Enfatizando essa ideia de histórias pessoais, ganha peso a narração em primeira pessoa: "(...)a voz literal do cineasta participa do diálogo, mas sem a autolegitmação e o tom autoritário da tradição anterior. (Também não possui o caráter auto-reflexivo presente nas obras de Vertov, Rouch ou MacDougall.) (...) essas vozes, que teriam o potencial de transmitir segurança, na verdade partilham dúvidas e emoções com outros personagens e com o espectador. Como resultado, parecem recusar uma posição privilegiada em relação a outros personagens. É claro que essas vozes autorais menos assertivas continuam cúmplices da voz dominadora do próprio sistema textual, mas o efeito sobre o espectador é muito diferente (NICHOLS, 2005: 57)". Para lidar com os eventos, Folman escolheu trabalhar com imagens que não foram captadas diretamente do real, mas construídas a partir das lembranças do massacre de Sabra e Shatila – lembranças suas e daqueles com quem ele conversa. No entanto, o documentário de animação não se desfaz do vínculo com referentes reais, e busca maneiras de transmitir ao espectador a existência desses referentes fora do filme. No caso de Valsa com Bashir, este vínculo aparece predominantemente por meio do áudio das entrevistas, gravado com as pessoas que participaram daqueles acontecimentos. Além de nos concentrarmos na análise desses elementos verbais, é importante considerar como se articulam os outros elementos sonoros, em especial a trilha musical. Toda a narrativa fílmica, inclusive a música, se articula no filme documental de modo a construir discursos orientados e em relação com questões do mundo histórico e compartilhado por nós. Assim, procuraremos refletir também sobre os usos e funções da música nesse filme, em diálogo com as convenções da tradição documentária. A partir daí, podemos começar a pensar em possíveis especificidades da relação do som com as imagens animadas no documentário. |
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Bibliografia | ALTMAN, Rick. The material heterogeneity of recorded sound. In: ALTMAN, Rick (org.). Sound theory – Sound practice. New York: Routledge, 1992. p. 15-31.
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