ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | O papel da crônica mundana na instituição do hábito de se ir ao cinema |
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Autor | Danielle Crepaldi Carvalho |
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Resumo Expandido | A partir de 1907, ocorre no Rio de Janeiro uma explosão do cinematógrafo. A diversão, de existência até então mambembe, começa a contar com espaços fixos de divulgação. Na época, espalham-se pela recém inaugurada Avenida Central e seu entorno estabelecimentos amplos e elegantes, que passam a atrair cada vez mais a elite intelectual e econômica da capital. A reação se faz sentir rapidamente entre os cronistas, tanto que Arthur Azevedo, a princípio entusiasta do divertimento, afirma temer que o “brinquedo mecânico” arrebate o público frequentador dos teatros.
A competição explicitada entre teatro e cinema renova uma velha questão. A crítica ao público que debandava dos teatros dá pasto aos cronistas desde pelo menos 1870. No entanto, apenas naquele momento a cena via-se realmente ameaçada. Os novos cinematógrafos repetem o sucesso que fizeram na cidade nos idos de 1897 – quando o “Edison” foi frequentado por 52.000 pessoas em dois meses. Todavia, os recintos pomposos que passam a ocupar fazem com que eles seduzam um público específico: os “300 de Gedeão”, expressão de Olavo Bilac em referência ao grupo de “criaturas de bom gosto” que prestigiava a programação cultural da capital. Tal público é reflexo da cidade que acabara de ter sua principal avenida alargada e suas construções modernizadas segundo modelos trazidos de Paris. Não é casual, portanto, que as fitas cinematográficas da casa francesa Pathé Frères atraíssem um público ávido por ver na tela prateada as ruas e habitantes da cidade. Nas folhas cariocas, as crônicas mundanas ofereciam aos leitores uma experiência análoga de cosmopolitismo. Convivem nesses textos expressões como “up to date”, “smart” e “dernier cri”. Figueiredo Pimentel, cronista da sessão diária da Gazeta de Notícias “Binóculo”, cunha a expressão “O Rio civiliza-se”, assumindo a responsabilidade de impor à capital um manual de conduta que permitisse aos cariocas mimetizar nos trópicos o modo de vida da Europa. O cronista passa a exercer uma importância crescente na sociedade, chegando a ocupar 2 colunas do jornal de 4 páginas. Como organizador da agenda social da elite, incumbe-se de dividir os “300 de Gedeão” entre um conjunto de opções de entretenimento que o “Binóculo” passa a considerar de bom gosto – como a “Soirée da moda” nos teatros, o “Corso de Carruagens” e as “Matinées/ Soirées da Moda” nos cinematógrafos. O “Binóculo” não apenas convidava o público a frequentar certo divertimento, mas cuidava para que o cronograma por ele imposto fosse seguido pelos leitores. Para isso, suas colunas faziam fotografias em letra de forma dos frequentadores dos acontecimentos, descrevendo-os e aos seus trajes. O cinematógrafo visivelmente se destacava no conjunto da programação imposta. Isso fica claro quando atentamos para o modo como o cronista configura seu objeto. Se, num primeiro momento, protagonizam as crônicas os membros da elite que frequentam as salas, não demora para que as lentes do binóculo voltem-se à tela de exibição, acompanhando o interesse do público por ela – tanto que o cronista chega a publicar o pedido dos espectadores para que haja a reprise de determinada fita ou para que algum acontecimento seja registrado em película. As fitas nacionais eram as preferidas em 1908. Várias delas realizavam o pedido do “Binóculo”, trazendo como protagonista o mesmo público que frequentava os cinematógrafos nas sessões da moda – o qual lotava as salas para ver-se na tela prateada, entre as fitas cômicas e dramáticas importadas da Pathé. O Rio de Janeiro, modernizado segundo moldes também importados, torna-se por meio do “Binóculo” um palco aberto ao desfile dos membros da elite. Palco e também locação, já que Figueiredo Pimentel chega a fazer-se de encenador para instruir seus leitores sobre como se portar ante as lentes do cinematógrafo. Ex: “[Durante o Corso convém] que as pessoas a pé, ao invés de se sentarem, circulem sempre, passeiem em toda a extensão do Bar. Só assim as fitas sairão esplêndidas.” |
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Bibliografia | ARAÚJO, Vicente de Paula. A bela época do cinema brasileiro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.
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