ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Vestígio, testemunho, rememoração |
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Autor | César Geraldo Guimarães |
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Resumo Expandido | Sem desconhecer o quanto a dimensão indicial das imagens só pode sustentar precariamente sua relação com o real, gostaríamos de insistir nessa sua natureza de traço ou resto, mas sob o emblema do pensamento benjaminiano acerca do vestígio (Spuren). Inicialmente, acompanharemos a maneira com que, em Images malgré tout, Georges Didi-Huberman concede uma interpretação benjaminiana às imagens documentais, reavivando sua dimensão indicial à luz da experiência histórica e da memória; em seguida, apontaremos como o cinema de Rithy Pahn se vale do vestígio como procedimento expressivo, detendo-nos em dois filmes: Bophana, uma tragédia cambojana (1996) e S 21: A máquina de morte do Khmer Vermelho (2002). Para tanto, três movimentos serão realizados:
a) A aproximação entre o estatuto semiótico próprio do vestígio (sua natureza indicial) e sua acepção benjaminiana. Nos termos de C. S. Peirce o índice vincula-se material ou logicamente ao objeto que representa e denota um individual (e não uma categoria geral de coisas). Se os índices compelem nossa atenção, como escreve Peirce, um vestígio pode muito bem passar despercebido ou ser submetido a um processo de apagamento. (Conhecemos bem os processos históricos que procuram a todo custo apagar os vestígios). Quanto ao seu regime temporal, o vestígio remete ao passado; no entanto, do ponto de vista da experiência histórica que se inscreve materialmente nesse resto, ele não deve ser tomado unicamente como um documento do passado, mas sim como um apelo lançado ao futuro, ameaçado pela iminência da sua desaparição, e a clamar por redenção (conforme os conhecidos termos utilizados por Walter Benjamin). b) Quais operações o vestígio suscita? Aqueles que lidam com os vestígios - o arqueólogo, o detetive, o analista, o arquivista, o historiador (ou aqueles que foram forçados a se tornarem historiadores, como os sobreviventes dos campos de concentração e de extermínio, como lembra-nos Sylvie Lindeperg) – se vêem envolvidos com as operações da memória e da rememoração, tomados pela necessidade de vincular a singularidade do vestígio a uma narração, de ligar seu pertencimento a um lugar a uma atividade que se desdobra no tempo. Só é possível retraçar uma história (mínima que seja) a partir do traço (mesmo o mais precário), se somos capazes, de algum modo, de (ainda) narrar, de oferecer algum testemunho a partir do que nos resta, os vestígios. c) Por fim, comentaremos alguns aspectos da obra do cineasta cambojano Rithy Panh, que se vê como um “agrimensor da memória”, confrontado ao processo sistemático de aniquilação da memória conduzido pela máquina de morte do Khmer Vermelho no Cambodja de 1975 a 1979, quando um quarto da população foi dizimado (quase dois milhões de pessoas). A população foi retirada à força de seus casas e enviadas para o campo; as cidades foram esvaziadas: os soldados eram impedidos de tocá-los, só usavam o fuzil, e se serviam de uma linguagem des-humanizadora. A palavra principal para o insulto era Ehèng, para provocar o medo e o assujeitamento; ou Ngoap, morto ou cão...O agrimensor da memória começa seu trabalho dez anos depois do fim do regime, em 1989, filmando os refugiados cambojanos em um campo da Tailândia. A principal referência para compreendermos um processo como este é a Shoah. Como sabemos, foi o “animal concentracionário” e os campos de extermínio que colocaram o cinema à prova pela primeira vez. Desde então, o vestígio, o resto, o traço (e com ele a fala, o testemunho), tornaram-se componentes decisivos para a escritura dos filmes que resistem à destruição dos vestígios do extermínio. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte/Santa Catarina: Editora da UFMG/Argos, 2008.
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