ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | O documento audiovisual e o espectador |
|
Autor | Andrea França Martins |
|
Resumo Expandido | Frequentemente analisamos as imagens documentais no cinema fazendo referência à experiência do realizador (do cineasta, do artista, do documentarista), ou seja, à subjetividade daquele que produziu tais imagens num determinado contexto, com uma certa intenção, desejo, inquietude e/ou preocupação social. Já aí, fica evidente que a natureza do documento não está ligada a uma suposta neutralidade ou transparência do mesmo mas, ao contrário, implica uma composição com o desejo daquele que o produziu e ainda com aquele que se deixou capturar. Mas não é só isso. Quando o crítico Serge Daney afirma, nos anos 80, que o registro cinematográfico seria uma matéria sinalética aberta para o antes e o depois no interior da própria imagem, provavelmente intuía, inspirado por Bazin, que o lugar do espectador de cinema torna-se-ia um problema a ser avaliado, julgado, de acordo com o momento histórico dos filmes, das escolhas feitas, dos procedimentos e estéticas. Com esse texto, Daney indicaria que o lugar do espectador é histórico.
Não há documento sem olhar, do mesmo modo que não há cinema sem espectador. “Sem espectador na sala, um filme pode ser projetado, mas não existe cinema aí (só o filme)”. Essa ideia, trazida por Daney, será retomada e analisada mais sistematicamente por Jean-Louis Comolli, partindo da premissa de que aquilo que é documentado é o momento onde o documento encontra seu próprio leitor. O olhar que ele lança faz parte da documentação, ele a restitui ao momento histórico onde ela retorna. Uma dinâmica que implica, neste sentido, o ato de quem criou o documento, o que ele permite ver e não ver e ainda o olhar daquele que vê o documento. O documento cinematográfico portanto começa sendo “o documento de sua própria realização”, com sua temporalidade, sua duração, sua interioridade que, ao contrário do que uma visada superficial poderia supor, inclui também a história complexa dos olhares que se colocaram sobre ele (COMOLLI, 2008). Não se trata do olhar da câmera simplesmente, mas o olhar de quem é filmado, o olhar daquele que retoma o documento posteriormente, o olhar do espectador através do olhar deslocado da câmera. Se a imagem é feita de tudo, de coisas enganosas misturadas com coisas reveladoras, formas visuais misturadas com o pensamento em ato (DIDI-HUBERMAN, 2003, p.85), é esse amálgama que é endereçado ao espectador e que deve trazê-lo para dentro do plano. Crer e duvidar ao mesmo tempo, eis o que nos ensina o cinema e que o documento cinematográfico retoma na sua qualidade essencial de implicar o espectador, de requisitá-lo, de ser um olhar – vazio – endereçado a nós. Se Foucault e Le Goff nos lembram que deve haver uma espécie de dúvida saudável entre o “real” histórico e a “escritura” histórica, que não se pode temer experimentar as tensões dessa relação entre narração e documentação, a entrada em cena do documento audiovisual complica ainda mais essa dinâmica. Não é só a defasagem entre o que se diz e o que se vê, entre o que diz um corpo e como ele diz ou se contradiz, questão que por si só revela o problema inerente a todo documento cinematográfico mas, antes, os modos históricos de implicar e atingir o espectador, a natureza sempre renovada e diferente das demandas que são feitas às imagens. Para discutir essas questões, analisaremos alguns documentário recentes que retomam imagens já existentes e com sentidos prédefinidos, ressignificando-as através da montagem. |
|
Bibliografia | COMOLLI, J-L. “Mauvaises Frequentations”, in Images documentaires, numero 63, Regard sur les archives. Paris: 2008.
|