ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Através da janela: o cinema de Perlov, Akerman e Farocki |
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Autor | Ilana Feldman |
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Resumo Expandido | “O que é o eu? Um homem que se põe à janela para ver os passantes”. Pascal
Figura tão banal quanto clichê, a metáfora da janela vem orientando diversos regimes de visibilidade (a pintura, o cinema e até a televisão) desde a Renascença, com a invenção da perspectiva e a composição, por Alberti, do quadro como “janela aberta ao mundo”. Se a perspectiva forjada pelo quadro como janela impõe um novo modo de olhar e um novo modelo de conhecimento, ela também forja o sujeito racionalista e autônomo da modernidade: um sujeito que pode ver sem ser visto; que pode dissolver-se naquilo mesmo que vê; e que pode ver a si mesmo como espectador. A partir de uma vasta história, atravessada por diversos domínios, a janela pode ser pensada como elemento constitutivo da modernidade, assim como modo privilegiado de subjetivação. Segundo Gérad Wajcman (2004), ao instaurar um limite entre o mundo interior, resguardado, e o mundo exterior, aberto ao olhar, a janela teria inventado o espaço da intimidade e do cultivo subjetivo. Não são raros, aliás, os diversos momentos na história da arte em que moças lêem ao pé de uma janela, em uma dupla abertura ao mundo. A janela seria, portanto, esse umbral, borda ou fronteira que, ao separar o eu e o mundo, o privado e o público, a domesticidade e a alteridade, a comunhão e a solidão, torna-se a condição mesma dessa relação. Supondo um lugar calculado para o espectador, a perspectiva, o palco italiano do teatro (sobretudo pós-Diderot) e o cinema clássico narrativo farão da distância e da separação entre observador e observado, entre realidade e espetáculo, a base do regime “representativo” da arte. É a partir de tal separação, condição da representação clássica, que o espectador pode enfim mergulhar no mundo de dentro da tela a partir da identificação e do “efeito janela” – efeito que, paradoxalmente, promoverá o apagamento dessa distância mediadora, assim como o apagamento do corpo do espectador. Dialogando com a histórica questão da janela e suas diversas apropriações no campo das visualidades, alguns filmes documentais contemporâneos, pautados pela reflexividade e pelo ensaísmo, tentam repor essa distância ao filmarem, literalmente, através da janela. A janela deixa assim de ser uma metáfora banal, que diria respeito a uma “ontologia” do cinema e da representação clássica, para tornar-se – no âmbito de um regime não mais representativo, mas produtivo –, uma materialidade a partir da qual o filme e o mundo podem ser inventados, colapsados, inviabilizados, pilhados ou partilhados. Tal é o caso dos documentários “Diário 1973-1983” (1985), de David Perlov; “Lá” (2006), de Chantal Akerman; e “Videogramas de uma revolução” (1992), de Harum Farocki e Andrei Ujica. Neles, a despeito de suas heterogeneidades, interessa-nos o trabalho de mediação a partir das janelas, mediação que engendra, em cada caso, certo modo de subjetivação, de atravessamento e de relação entre a vida e a cena: vidas que se fazem em imagens, imagens que devolvem ao mundo o modo como os sujeitos e a história se constituem nas distâncias e nas defasagens. Assim, se na Tel Aviv de Perlov o privado é atravessado pelo público e pelo político por meio uma potente montagem que a todo o tempo abre o espaço doméstico da família a um fora (o fora das janelas do apartamento, o fora da janela da televisão), em um meticuloso trabalho de se aproximar do que é estranho e de se distanciar do que é extremamente próximo, em Akerman, habitando a mesma cidade, nada haveria para ver de suas janelas, pois não haveria mais fora. Já as janelas de Farocki e Ujica, nem atravessadas pelo mundo nem semi-cerradas, seriam o meio a partir do qual a história se faz de imagens pilhadas, re-apropriadas. Em cada um dos casos, trata-se de achar a distância “justa”, precisa, adequada, para que a inadequação dos sujeitos ao mundo, para que a defasagem entre a experiência e a imagem, possam reconfigurar e perturbar a ordem consensual do visível. |
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Bibliografia | BRASIL, André. “Ensaio de uma revolução”. Revista Cinética, set. de 2008.
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