ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | A opção ou um Filme de estrada de Ozualdo Candeias |
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Autor | Samuel Paiva |
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Resumo Expandido | Há uma concepção de gênero, nesta proposta, que pode ser compreendida em dois sentidos. Por um lado, está em pauta um gênero cinematográfico: o filme de estrada. E por outro, o gênero no sentido de um discurso sobre a construção das identidades sexuais. Note-se, a propósito que, nos estudos sobre road movies, essas duas concepções de gênero frequentemente são colocados em questão, por exemplo, quando se questiona o caráter de companheirismo ou camaradagem investido em personagens (masculinos ou femininos) que, avançando na estrada, de maneira muito próxima, interferem numa perspectiva do olhar empreendido pelo discurso cinematográfico do filme em questão contrapondo-se, ou não, a mecanismos voyeurísticos historicamente patriarcais (cf. CORRIGAN,1991). Em outra chave, pode haver argumentos que relacionam possíveis origens ou conexões do road movie com outros gêneros, nos quais as tensões sexuais são também destacáveis, como é o caso dos westerns. Já no início dos anos 1950, André Bazin, discutindo “a divisão dos bons e dos maus” recorrente em estruturas cinematográficas clássicas, observa que “no mundo dos westerns, as mulheres são boas, é o homem que é mau” e por isso “o melhor [dos homens] deve, de certo modo, redimir com suas provas a culpa original de seu sexo” (BAZIN, 1991, p. 203). Mais recentemente, apresentando suas razões para identificar o road movie como um “filho desobediente” do western, filho que contesta a autoridade do pai, Stephanie Watson (1999, p. 28) identifica o cowboy, no avançar do século XX, como um herói cada vez mais anacrônico, um homem branco, pistoleiro desesperado que, em seu universo moral ambíguo, não tem mais para onde ir.
Numa perspectiva intercultural, esse universo de questões ressoa de forma instigante sobre a obra de Ozualdo Candeias e, para demonstrar tal possibilidade, o objetivo desta comunicação parte do gênero, tal como aqui se propõe, como uma premissa a ser verificada no filme “Aopção ou as rosas da estrada” (Candeias,1981). A narrativa em questão diz respeito ao deslocamento de mulheres provenientes de áreas rurais para a cidade de São Paulo, em um percurso no qual elas se prostituem ao longo da estrada, encontrando caminhoneiros pelo caminho. Tanto os aspectos temáticos quanto os de mise-en-scène desse filme levam à possibilidade de reconhecimento de Candeias como um autor, no sentido de um diretor que imprime um estilo, suas marcas autorais, cujas matrizes se reconhecem no conjunto da obra. A ideia é investigar, portanto, em que medida as dimensões do gênero contribuem para essa autoria. E para isso é proposta a leitura de “Aopção” na chave de uma intertextualidade com outros filmes do próprio Candeias, no caso, especialmente aqueles identificados com o western, tais como “Meu nome é Tonho...” (1969), “Manelão, o caçador de orelhas” (1982) e “O vigilante” (1992), que podem ser aproximados ao “western spaghetti” e ao “western crepuscular”, ou seja, variações em torno do western clássico nas quais a própria moralidade dos heróis sofre transformações significativas (cf. GAMO, 2000, p. 11-12). Outro dado da pesquisa são as figuras de mulheres enigmáticas e as prostitutas recorrentes desde “A margem” (1967), primeiro longa-metragem de Candeias. O crítico Jairo Ferreira (que é um dos atores de “Aopção”), reconhecendo Candeias como “o ponto de partida avançado” de um “cinema de invenção”, identifica já em “A margem” o “homem sufocado, esmagado, até uma corrida sem rumo, um lance de desespero que precede a morte”, assim como a presença da prostituta negra “que morre, noiva e viúva na mesma decepção intolerável” (FERREIRA, 2000, p. 43). Essa falta de saída ou saída pela morte projeta-se até “Aopção”, em que também se configura a “transitoriedade” e a “deambulação” enquanto deslocamento incessante relacionado à condição de marginalidade social, o que marca o cinema de um ex-caminhoneiro, Candeias, numa perspectiva em que o gênero tem um papel central para a constituição do autor. |
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Bibliografia | AUTRAN, A. A margem. In: PUPPO, E.; ALBUQUERQUE, H.C. (Org.). Ozualdo R. Candeias. São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002, p. 52-53.
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