ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | A invenção do movimento: Deleuze, o intervalo e as imagens de Lumière |
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Autor | Marcelo Carvalho da Silva |
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Resumo Expandido | Hoje, que as definições e as fronteiras das artes – notadamente das artes visuais – perdem seus contornos em prol de formas híbridas, faz-se necessário retornar à passagem entre as experiências com imagens animadas e os filmes de Lumière no final do séc XIX, não por uma busca pelas origens, mas para encontrar ecos entre diferentes constituições de imagens. Como poderíamos ler tais imagens de transição criadas pelo processo da invenção do cinema a partir dos livros A imagem-movimento (1985) e A imagem-tempo (1990) de Gilles Deleuze? A proposta apresenta dificuldades, mas algo da natureza dessa passagem pode ser descoberto.
Tomemos como ponto de partida as considerações críticas acerca do período que vai da invenção do cinema à plena instituição da montagem. Reconhecemos dois momentos. No primeiro, está a historiografia tradicional. Mesmo que não haja unanimidade nas posições, é possível destacar certa visão de conjunto. O historiador Georges Sadoul, por exemplo, simpático ao “estilo Lumière”, descreve minuciosamente o período, dedicando-lhe quatro capítulos de sua História do cinema mundial (1983). Sadoul avalia o contexto sócio-econômico da época de forma não muito articulada com os filmes, vendo-os como “ensaios” para o advento do cinema vindouro institucionalizado. O panorama muda no final dos 1970 (segundo momento). Um dos marcos foi a redescoberta da paper print collection na Biblioteca do Congresso (Washington), decisiva por recuperar filmes do início do cinema conservados em papel fotográfico (COSTA, 2005, p. 83). Isso propiciou, mais tarde, a reavaliação do período na Conferência Cinema 1900-1906 no Simpósio de Brighton (Inglaterra, 1978). Surgem novos estudos por N. Burch, T. Gunning, A. Gaudreault, C. Musser etc. A noção mais bem sucedida desses estudos é a de “cinema de atrações” (GUNNING, 1994), que identifica nos filmes do período uma apresentação serial de situações semi-independentes (um mágico e seus truques, um aceno do ator para a câmera etc) que buscavam o maravilhamento do público. Pelos novos estudos, a imagem desse cinema, partícipe da cena de sua época, adquire uma tessitura coerente com a cena do final do século XIX, se autonomizando do cinema institucionalizado que viria a lhe substituir e ganhando coesão e substância sociocultural que lhe dá inegável sustentação interna. No entanto, a mesma historicidade que constitui a riqueza da ideia de cinema de atrações tem um preço: a imagem nascente do cinema tenderia a se dissolver nas imagens do entretenimento da época, esvaziando-se enquanto imagem em prol de uma conformidade sociocultural. Sem deixar de lado a contribuição dada pelas novas pesquisas, é preciso indagar sobre a natureza das imagens criadas pelos inventores do cinema, fruto da passagem entre as imagens animadas e os primeiros filmes no final do séc XIX. Bergson (1990), ao tomar a matéria (o movimento) como imagem, desfaz quaisquer vestígios de hierarquização entre imagens. No Deleuze de inspiração bergsoneana, encontramos a afirmação do materialismo do cinema (a imagem-movimento) – algo bem diferente de um “efeito de realidade” postulado por Jacques Aumont (2004) quando este invoca a precisão da imagem de Lumière segundo seu modelo no mundo físico. O cinema seria um intervalo de movimento na matéria, tal como enunciado por Deleuze nos primeiros capítulos de A imagem-movimento. Seu materialismo faz do movimento algo real e não uma ilusão; e do próprio cinema uma máquina criadora de mundos cinético-temporais desde o início, mesmo que Deleuze (influenciado pela historiografia tradicional) desqualifique o período como um estado “no qual a imagem está em movimento em vez de ser imagem-movimento” (DELEUZE, 1985, p. 38); ou ainda, não vendo como relevante a passagem entre as pesquisas com imagens animadas e os primeiros filmes. Não há “meio-intervalo” de movimento que embase uma “imagem em movimento”. Há intervalo de movimento instaurado desde o início, já em Lumière. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. Lumière, ‘o último pintor impressionista’. In: O olho interminável. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
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