ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Filmes de regresso: o desafio das fronteiras e o olhar nômade |
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Autor | Amaranta Cesar |
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Resumo Expandido | Em 1939, o poeta martinicano Aimé Césaire escreve Cahier d’un retour au pays natal, obra seminal, que parece inaugurar um tipo particular de narrativa de viagem: as narrativas de regresso (do imigrante). Os poemas antológicos de Césaire, que descrevem a sua volta à Martinica em um estilo reconhecido por André Breton como surrealista, inauguram seu pensamento sobre a restauração identitária dos negros, anunciando o conceito de negritude, que ele forjará anos depois em parceria com Leopold Sédar Senghor, e que marcará as lutas políticas pela afirmação da identidade cultural das comunidades diaspóricas africanas do mundo todo.
Esse tipo de narrativa do regresso, na qual a trajetória do imigrante de volta para casa opera um (re)posicionamento identitário, aparece nos cinemas africanos logo quando surgem os primeiros filmes, a partir da década de 60: Et la neige n'etait plus, de Ababacar Samb Makharam, em 1965, e Concerto pour un exil, de Désiré Écaré, em 1968. Muitos dos realizadores do continente viveram o exílio, experimentaram os fluxos da diáspora negra, são ou foram, eles mesmos, migrantes, nômades. É o caso não apenas de Ababacar Samb Makharam e Désiré Écaré, mas também de veteranos como Ousmane Sembène e Med Hondo, para citar os mais representativos. Com o processo de libertação colonial, que coincide com a aparição tardia do cinema africano, a volta “às origens”, na sua dupla acepção, é quase um imperativo, assim como uma demanda de reconstrução identitária, para a qual a descolonização das imagens e narrativas da África seria essencial. Nesse cenário, os primeiros filmes de regresso nos apresentam a figuras do “ici-là”, sujeitos “entre-lugares” (BHABHA, 2007), que vivem o desconcerto da desterritorialização/reterritorialização e encenam um processo de negociação de diferenças culturais, muitas vezes simplicado na oposição entre a máscara branca, para citar Franz Fanon, e a pele original, que precisa ser redescoberta. Como nos alerta Homi Bhabha, é, no entanto, para além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais que se encontra, na experiência da imigração, o que é teoricamente inovador e politicamente crucial: é pela sua capacidade de oferecer o terreno para a elaboração de novos processos de subjetivação e de “postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia de sociedade” que a experiência do “entre lugares” pode render frutos (BHABHA, 2006, p. 19-20). Nesta comunicação, nos interessaremos pelos deslocamentos do imigrante justamente pela sua potência em oferecer a ocasião para o surgimento de imagens e narrativas nômades, que no não-respeito das fronteiras, contribuem a criar uma nova cartografia das nações, a tornar visíveis novos imaginários de mundo, produzindo novos processos de subjetivação. Supomos que a experiência da desterritorialização, e a tentativa, normalmente frustrada, de reterritorialização, cinde o sujeito, e, ao mesmo tempo, libera o seu olhar. Nos filmes surgidos a partir do ano 2000, a potência desse olhar – migrante, nômade – que permite a passagem do território à paisagem, aparece nos filmes de regresso de Abderrahmane Sissako e Rabat Ameur-Zaïmeche, respectivamente, La vie sur terre (2000) e Bled number one (2006). São filmes que têm em comum a elaboração ficcional a partir de práticas próprias ao domínio do documentário, além de uma certa ficcionalização do “eu”, que parece nos permitir pensar a performance do eu – que reverbera na coletividade – em contraponto à representação identitária. |
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Bibliografia | BARLET, Olivier. Les cinémas d’Afrique noire : le regard en question. Paris; Montréal : l’Harmattan, 1996.
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