ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Narrativas do não-acontecimento |
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Autor | maria henriqueta creidy satt |
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Resumo Expandido | Esta comunicação tem como objetivo investigar uma tendência dos documentários contemporâneos que atuam em um registro que nominamos como “não-acontecimento narrativo”, em contraponto à noção de “acontecimento”, das tradições modernas ou, ainda que regidos por artifícios distintos das vanguardas de 20, do “hiper-acontecimento” que norteava as sinfonias metropolitanas. Atravessando essa reflexão, privilegiaremos as estratégias de construção de personagem, de encontro e de observação que tangenciam esses documentários, tentando percebê-los como potências de dissonâncias e subversões às tradições modernas e ao cenário audiovisual contemporâneo.
Nessa perspectiva, A Casa de Sandro e Sábado à noite são convocados na medida em que operam sob os signos da estranheza e da frustração narrativas, atuando em uma política do "desmoronamento dos clichês” (PELBART, 2009: 37) e da desestabilização das expectativas do espectador. Em comum, e guardadas as devidas especificidades, ambas as “personagens” (Sandro e a cidade de fortaleza à noite) nos são apresentadas a partir de interditos, de formas lacunares e fragmentárias. Ou seja, através de artifícios que roçam a “insubordinação”, a “rebeldia” (AGAMBEM, 2009: 45-51) e a “trapaça” (Barthes, 1996: 16) constituindo-se, propositalmente, como realidades que escapam a uma lógica totalizante. Posturas que atuam no contra-fluxo das pedagogias dos olhares consensuais das imagens midiáticas. Tais atitudes colocam em pauta, na esteira de Rancière (2005:12), que é no campo das imagens, no terreno estético, que acontecem os embates políticos contemporâneos. Ou, como nos inspira Comolli, instauram “uma guerra estética, uma guerra crítica” (2008:22). Um outro ponto que torna-se relevante é a noção de observação que esses documentários desenvolvem. Caro à tradição do documentário direto moderno, as estratégias de não-intervenção, assumem nuances diferenciadas nas narrativas contemporâneas que atuam nesse “campo da duração”. Sabemos que o cinema direto norte-americano privilegiou a “dramaturgia dos gestos e das ações”, não só dos personagens, como as dos próprios documentaristas conjugando, assim, a afirmação da presença através das suas estéticas de captação, de sua câmera-corpo, de uma presença, ainda que silenciosa, participativa. Com vistas nessa percepção, ainda que A casa de Sandro desloque e subverta radicalmente alguns procedimentos metodológicos inaugurados pela tradição moderna do cinema verdade, tais como a dramaturgia da palavra e a “sociabilidade documental” (SATT, 2007:28), problematizando o “cacoete da entrevista” (BERNARDET, ), o filme é impregnado pela observação traduzida em captações à distância, por câmeras fixas, pelos silêncios narrativos, por planos longos e geométricos. Já Sábado à noite, um filme desencadeado a partir de um dispositivo que esmorece ao longo dos acontecimentos, opta pela opacidade e pela economia de palavras. Igualmente o que vemos são câmeras fixas, longuíssimos planos seqüências, situações que não chegam a se concretizar e personagens que se diluem em seu anonimato. Contudo, a intensidade desses filmes ocorre justamente onde os encontraríamos mais frágeis. Os dois se orientam, antes de tudo, sob os signos da frustração da comunicação e da informação, bem como da negação da conexão com o outro, com o documentarista e com o espectador. São documentários que nos remetem a lacunas e vazios. Mas não são justamente nessas ausências e “nesses buracos que se faz o movimento”? (DELEUZE, 1992: 172). Formas estranhas de propor o rompimento de pactos documentais e, assim, problematizar o imaginário midiático em um mundo exacerbado por imagens. Fundamental, portanto, que os documentários de Beck e Araújo acabem por se endereçar ao princípio deleuziano de que “criar não é comunicar, mas resistir” (Op. Cit.: 179). |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
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