ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Pinhole vídeo: temporalidades das imagens em questão |
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Autor | Elane Abreu de Oliveira |
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Resumo Expandido | Imagens que remetem às primeiras fotografias compartilham hoje do cenário de trânsito entre as modalidades imagéticas próprio às artes visuais contemporâneas. Isentar as imagens artesanais, como as feitas a partir de um furo numa caixa de fósforo (pinhole), do panorama da arte, além de ingênuo, seria equivocado. Desponta, de trabalhos artísticos neste formato, um cenário que se constitui por relações de imbricação entre as naturezas de imagens. Partimos, então, de duas questões: o que, hoje, compete à fotografia ao ser combinada com nuances da imagem em movimento? Como o fluxo do tempo pode ser capturado nas imagens? Teremos como fio condutor dessas indagações o trabalho do artista paraense Dirceu Maués, sobretudo o que ele chama de “pinhole vídeo”.
No contexto da arte contemporânea, a fotografia se situa em estado de imbricação. Junto com ela, estão as outras modalidades de imagem. Philippe Dubois (2004, 2009), ao pensar os dispositivos contemporâneos artísticos, comenta que as especificidades da fotografia, da pintura, do cinema, do vídeo e do computador estão imbricadas, confusas, pois a suposta “natureza” de cada uma se deslocou mediante a complexificação das identidades imagéticas. Nessa direção, Raymond Bellour (1997, 2008) aponta para o estado de “entre”: espaço de passagem entre diferentes formas físicas e mentais da imagem. No atravessamento de fotografia, cinema e vídeo, múltiplas sobreposições atuam tanto na materialidade das imagens como no plano mental. Podemos perceber tal atravessamento no pinhole vídeo de Dirceu Maués. Além do próprio nome (pinhole vídeo) indicar uma fusão de técnicas e temporalidades, o movimento das 991 fotografias que conduzem os 3,5 minutos do vídeo “Feito poeira ao vento” proporciona uma temporalidade que irrompe o estático da imagem fixa, sem deixar que esta também se revele como quadro carregado de fluxo temporal. Personagens e objetos, borrados, tremidos, surgem em cada fotografia como acordes do tempo movente. Maués captou imagens em pinhole por cerca de 4 horas numa feira, compondo uma visão de 360º do lugar. A fusão de imagens captadas em caixas de fósforo com o movimento videográfico implica numa mixagem complexa de camadas temporais. É utilizando o termo “mixagem” que Lev Manovich (2006), por exemplo, encara a hibridização da fotografia com a tecnologia digital. Ele situa esse fenômeno não como uma transformação na essência fotográfica, mas como uma potencialização de algumas características já presentes na fotografia de base química. Ele alerta para o caráter maleável próprio à fotografia, o que explicaria o fato dessa modalidade imagética ter resistido tanto tempo a diversas inovações tecnológicas, inclusive a computadorização. A maleabilidade do código fotográfico é ampliada com a tecnologia digital, possibilitando mixá-la com outras camadas imagéticas, em que a fotografia é apenas a camada inicial de uma mixagem gráfica. “Feito poeira ao vento”, dessa forma, constitui-se como produção que emana desse lugar fluido das imagens, onde o fotográfico e o videográfico são camadas maleáveis de uma montagem. O longo tempo de exposição exigido para a sensibilização do filme em pinhole, ao ser mesclado ao do vídeo, coloca-nos diante de uma experiência de transmutação das modalidades ou do “entre-imagens”, como diria Bellour. É seminal, no pinhole vídeo de Maués, a mutabilidade. São imagens paradas que ganham mobilidade através dos efeitos movediços inscritos em suas superfícies – rastros no visível de um tempo durativo. E, quando aliadas a uma outra lógica temporal – a videográfica -, fazem o olhar girar quadro a quadro, até que a feira, do burburinho de transeuntes, venha a esvaziar-se. Os frêmitos e as bordas das imagens na passagem irregular de um quadro a outro, mais do que indicar que se tratam de instantâneos animados, levam-nos a perceber este trabalho como um embate entre as fronteiras do artesanal com o digital. |
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Bibliografia | BELLOUR, Raymond. Entre-imagens. Campinas: Papirus, 1997.
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