ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | (Auto) retratos de Andy Warhol no espaço e no tempo da platéia |
|
Autor | Fernanda Lopes Torres |
|
Resumo Expandido | Visamos a identificar em certos filmes sem som de Andy Warhol a execução do (auto) retrato do indivíduo contemporâneo em seu processo de se tornar uma imagem por meio de sua “espacialização” no lugar da experiência do filme a partir de promoção na platéia de sensação física de tempo. A alteração da velocidade de projeção (dos 24 quadros por segundo da filmagem para 16 quadros) de um mesmo objeto que é registrado mecânica/repetidamente intensifica a consciência que a platéia tem de (seu próprio) tempo no espaço da sala de projeção. Excluída de fantasia narrativa de identificação imediata, a platéia não reconhece acontecimento na tela para lhe tomar o tempo, e então experimenta passagem do tempo literal tanto na superfície material da tela quanto em si mesma (Gidal). Sente-se consciente de sua situação incômoda ali no espaço real daquela sala a partir de uma distância fixa: ao assistir a Sleep, Screen Tests e Blow Job nós nos reconhecemos como uma estranha espécie de voyeur, situados tão perto quanto longe da imagem, pois implícita no close da tela está a distância da amplitude focal da câmera e os objetos filmados.
Warhol compreende o self sujeito à alienação na imagem e à automatização no processo. Nesse sentido, sua vontade de “ser uma máquina” supera mera celebração da automatização revelando lucidez quanto à sujeição do sensório humano a um treinamento pela tecnologia. O artista então bem se apropria dessa tecnologia – registro mecânico -, enfatizando-a com a câmera fixa e frontal, para demonstrar na própria sala de exibição nova forma de relacionamento/conexão produzida pela mediação tecnológica. De um lado, atores/personagens que não tem ninguém com quem interagir - atores que nos encaram, sem nada a fazer senão sustentar uma performance para a tela (Screen Tests), o indivíduo indiferente em sua não-ação por excelência (Sleep), ou o personagem que por vezes olha para nós, por vezes evita nosso olhar (Blow Job) sugerem ação que ocorre fora da tela (principalmente o último, em que a felação do título parece ocorrer off-screen, fora de nosso campo de visão). Do outro lado, nós, platéia, sem nenhuma ação com que se identificar na tela, testemunhas próximas e distantes da imagem, a transformar a presença sentida da câmera numa metáfora para a consciência alienada, com suas facetas tanto na consciência quanto no espaço real em que assistimos o filme (Koch). Afinal, o desempenho de uma ação dramática exige que se identifique com ela; quando isso ocorre o tempo acaba por ser obliterado. Por outro lado, se não se perde na identificação com os atos representados, pode-se viver com o tempo – com cada momento que parece fugir de nós (Cioran) na crescente aceleração de nosso atual tempo histórico (Koselleck). “O tempo é o que o tempo foi”, observa Warhol, que reconhece nova maneira de fazer retratos: “fazer um vídeotape em loop de um minuto que você pudesse passar, tanto quanto você quisesse”. Como se a prolongar a existência da pessoa retratada (e do próprio Warhol) que oscila entre iconicidade e fantasmagoria (Foster) dada pela onipresença da câmera. Essa estranha espécie de encontro se dá no espaço off-screen, ao movimento aniquilador do tempo literal que passa de instante a instante – enquanto isso ouve-se o projetor atrás de nós. Não há totalidade narrativa ou dramática. Mais do que continuar de modo diferente nós nos deparamos com um efetivo recomeço. Os filmes exigem atenção de momento a momento. O espectador não recebe quaisquer condições para que seu ato de assistir repouse sobre uma cena imaginária dada ou um objeto definido, devendo manter com ele uma relação contraditória e sem fim. E afinal, não é essa a relação que mantemos com os eventos que se sucedem ininterrupta e imprevisivelmente ao longo do curso de nossas vidas? Em tempo: a primeira impressão que se tem em Sleep, antes de identificar um homem adormecido, é de vida, da carne pulsando. |
|
Bibliografia | CIORAN, E. M. The Fall into Time. Chicago, Quadrangle Books, 1970.
|