ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | O cheiro do ralo: criação estética no cinema de transgressão |
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Autor | Heloisa Pisani |
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Resumo Expandido | A transposição de obras literárias para o cinema é tema que há décadas gera discussões. Levando-se em consideração as especificidades técnicas e conceituais de cada meio, abre-se a possibilidade de conceber esse processo como uma transcriação, ou seja, um trabalho em que os autores (o roteirista, diretor, diretor de arte, fotógrafo, montador e demais profissionais envolvidos) criam sua obra para além daquela em que se basearam, sem buscar a “fidelidade” ao livro, mas usufruindo de uma liberdade que os autoriza a mobilizar outras resoluções para sua própria obra.
A palavra escrita realiza mediação por signos, os quais geram, por sua vez, uma ideia diferente em cada leitor de acordo com seu repertório, o qual também se transforma. O meio audiovisual trabalha com um contexto “demonstrativo”, criando realidades visuais e sonoras que mobilizam percepções mais imediatas do espectador. Dessa forma, a experiência gerada pela leitura de um livro, ao ser transcriada para as telas de cinema, deve operar de outra maneira, a partir dos dispositivos do meio cinematográfico. O Cheiro do Ralo, estreia do até então quadrinista Lourenço Mutarelli na literatura (2002), foi transformado em longa-metragem pelo diretor Heitor Dhalia (2006). O livro narra a história de um comprador de objetos antigos/ raros que passa a viver transtornado com o cheiro do ralo do banheiro de sua loja. Entre o término do seu noivado e a relação com clientes excêntricos, o personagem se apaixona pela bunda da garçonete de uma lanchonete e passa a querer comprá-la. A semelhança entre ambas as obras se constitui pela história em si, a trama e forma narrativa. O fluxo de consciência do protagonista se transforma em narração over no filme. A escrita de Mutarelli é ágil e repleta de diálogos. Na obra literária, porém, são escassas as descrições de personagens e espaços. A sensação estética vivenciada pelo leitor se dá pela relação com o ritmo da narrativa, fluxos de consciência mesclados às falas de figuras diversas, cortes, repetições, ironias e rimas. O autor cria uma cadência urbana, frenética – assim como seu protagonista. O filme homônimo aproveita a estrutura da obra literária para realizar sua construção imagética. O orçamento bastante baixo (R$350 mil financiados pelos próprios realizadores, ou seja, um trabalho totalmente independente), impôs diversas restrições à equipe. As soluções buscadas acabaram por imbuir ao filme um estilo próprio, com opções estéticas bastante marcadas. À câmera estática predominante no longa-metragem somaram-se cortes e utilização de campo/ contra-campo, os quais dão agilidade à narrativa. Os espaços amplos e vazios dos galpões onde ocorreram as gravações foram ambientados com móveis e objetos de diferentes épocas e origens. A paleta de cores foi definida de acordo com a temática: predominância do marrom (o ralo), que varia para o vermelho, cinza e azul (cores também predominantes por conta do contexto marcadamente urbano). A relação entre a criação imagética do filme e a temática das obras (tanto literária quanto cinematográfica) é bastante estreita. O conteúdo de “trangressão” (que trata de um personagem sem pudores cujo prazer sádico é forçar os limites a que chegam as pessoas por seu dinheiro), aliado à estética, propõe o estranhamento: não há a intencionalidade de criar personagens necessariamente coerentes e que atravessem a trama. A tônica é, justamente, mostrar variações de personalidades humanas em suas mais diversas excentricidades, que em sua maioria fazem aparições pontuais, e de cuja construção participam em grande parte figurinos, artefatos e mobiliários. |
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Bibliografia | AVELLAR, J.C. O Chão da Palavra. Rio de Janeiro: Rocco, 2007.
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