ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Documentário contemporâneo: experiência estética e resistências |
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Autor | Rodrigo Capistrano Camurça |
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Resumo Expandido | Uma arte política pautada na denúncia de um determinado estado de coisas é uma forma de resistência a ser repensada. Esse desafio está no cerne das novas lutas políticas. Grande parte dos movimentos sociais e entidades de classe ainda acreditam que a sociedade é um mero aparelho de organização binária, atuando nas dicotomias. Aqui a denúncia opera basicamente na negatividade. Acreditamos que organizar o discurso na falta e na culpa não gera produção. Ela é inoperante por que o sistema não age mais sobre as mesmas regras da tradição disciplinar. Seja no âmbito da produção de mercadorias e na criação de novos produtos, seja nos domínios da propaganda e nas campanhas de marketing, os enunciados do capitalismo incorporaram a crítica(SAFATLE, 2008). O cinismo foi internalizado pelo sistema. No cinema, sua utilização serve mais para reafirmar aquilo que seus realizadores já conhecem, ou para reforçar uma geração de espectadores revoltados. Essa lógica de atuação política não garante o desejo de transformação da realidade. Nesse momento em que os modos de vida são constantemente reivindicados pelo sistema, estes também escapam. A indiscernível divisão entre vida e trabalho pode estabelecer as bases de um novo regime de dominação, mas pode potencializar a liberação de forças que instalam linhas de fuga, suscitando e provocando a construção das novas resistências(HARDT e NEGRI, 2000). Hoje, os embates são mais fluidos, deslizantes. As grandes estruturas do capitalismo na sociedade de controle também trabalham na desterritorialização, na descodificação das operações e dos fluxos. A máquina do sistema a cada momento estimula a crítica e a liberdade, mas está sempre encontrando formas de capturá-las, de recodificá-las. Para legitimar suas operações, se utiliza desde um discurso “socio-ambiental responsável”, até a incorporação de princípios que outrora eram negados. Dentro desse “novo espírito do capitalismo”(BOLTANSKI e CHIAPELLO, 2009) não se trata apenas de ganhar muito dinheiro. A lógica das grandes empresas é estabelecer conexões, criar teias de relações entre indivíduos diversos. Acreditamos que as resistências também passam por esse caminho. Nossa proposta de trabalho procura pensar a resistência como um gesto produtivo no âmbito da produção das imagens contemporâneas. Partimos da premissa que uma arte política hoje é muito mais uma operação de montagem, que passa pela própria política das imagens, do que meramente uma questão discursiva. A questão do capitalismo não é mais de enunciado, mas de experiência. Portanto, torna-se necessário operar na montagem, na instabilidade, realizando conexões. Pensamos em obras audiovisuais que apresentam agenciamentos entre múltiplos atores. A operação a ser realizada não seria falar sobre um real, mas obras que estão no real(MIGLIORIN, 2010). Melhor dizendo, uma obra política não precisa dizer certezas sobre o mundo e não se pode separar o produto do processo, assim como a produção artística não se separa da própria vida. No cinema, os filmes que mais nos chama atenção são aqueles que conseguem implodir as fronteiras entre o documentário e a ficção. Neles, a explicitação pouco produz e a dimensão do possível encontra ressonância tanto no realizador, como nos personagens e no espectador. Perde-se o olhar privilegiado sobre as coisas. A ficção como modo de pensar a realidade e o documentário enquanto possibilidade de (re)invenção de mundos encontra nessa inconstância garantias de gestos políticos. Reforçar o estado de crença e dúvida permite pensar uma relação não-disciplinar com o mundo a partir do momento que impossibilita uma metodologia de modelização. Nesse sentido, o documentário contemporâneo tem optado por narrativas menos globalizantes e procurado dar visibilidade a agentes históricos costumeiramente marginalizados, onde o cotidiano surgiria como o lugar das pequenas lutas e da criação. Aqui residem alguns caminhos para novas condições de possibilidades, novas formas de resistência. |
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Bibliografia | BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. SP: Companhia das Letras, 2003. BOLTANSKI, L.; CHIAPELLO, E. O novo espírito do capitalismo. SP: Martins Fontes, 2009. COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: cinema, televisão, ficção, documentário. BH: Ed. UFMG, 2007. DELEUZE, Gilles. Conversações. SP: Ed. 34, 1992. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Felix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia – vol.5. SP: Ed. 34, 1997. GUIMARÃES, César. O retorno do homem ordinário no cinema. Disponível em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_859.pdf. HARDT, M.; NEGRI, A. Império. SP: Record, 2000. LAZZARATO, Maurízio. As revoluções do capitalismo. RJ: Civilização Brasileira, 2006. MIGLIORIN, Cezar. Ensaios no Real: o documentário brasileiro hoje. RJ: Azougue, 2010. PELBART, P.P. Vida capital: ensaios de biopolítica. SP: Iluminuras, 2003. RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: Estética e Política. SP: Ed. 34, 2005. SAFATLE, Vladimir. O cinismo e a falência da crítica. SP: Boitempo, 2008. |