ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Hagiografia moderna: o caminho dos pequenos gestos e o insuficiente |
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Autor | Angeluccia Bernardes Habert |
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Resumo Expandido | No final do século XIX, Thérèse (depois Santa Tereza do Menino Jesus e da Sagrada Face), uma jovem burguesa com 15 anos e meio, decide-se pela vida em clausura e pela contemplação. Recebida na Ordem do Carmelo, seu caminho não será trilhado por grandes feitos e nem vivenciará fenômenos místicos extraordinários. Seu “pequeno caminho” de santidade se queria focado em coisas pequenas, visíveis e insignificantes. Migalhas do sensível, que só se valorizam e ganham significação frente a algo Maior. Em meio às grandes mudanças tecnológicas e sociais de seu tempo, esta jovem contemporânea da fotografia e do nascimento do cinema encerra-se no convento e alterna as tarefas de sobrevivência com dúvidas de consciência e orações.
Cem anos depois, em 1986, Alain Cavalier narra a história de Thérèse, no filme de mesmo nome, com espantoso despojamento e ausência de drama. Retoma outra forma de ordenação das relações do homem e do acontecimento com o mistério da vida, e sugere ao espectador uma oportunidade de construir o próprio caminho de reflexão, fugindo totalmente ao gênero "entretenimento edificante". Embora tenha feito intensa pesquisa de pré-produção e tenha tido o apoio de consultores, as cenas sempre gravadas no interior e com planos próximos apreendem o cotidiano da vida monástica com ares espontâneos e joviais, salpicadas que são por diálogos coloquiais. Desviam-se totalmente do registro homilético - de querer proferir uma didática - para deterem-se em uma atmosfera poética da experiência e do insuficiente, recortando nas imagens gestos, rostos e objetos. Desta forma, potencializam os significados com base em uma corporalidade material, sem se perderem em uma redução abstrata ou sintética. O realizador detém-se nas migalhas, no resultado do fracionamento do cotidiano, e registra os instantes precários. Desta forma, também recusa os significados já organizados no mundo. Disse Eduardo Escorel a propósito das duas séries de documentários com o titulo Retratos, vistas na ocasião do É isto verdade (2010), uma de 1987 e a outra de 1991: Cavalier “abre mão da ficção em favor de filmes que talvez pudessem ser chamados de confessionais”. “Encarnação do homem com a câmera, filmando obsessivamente, todos os dias, sem ter em vista, necessariamente, um filme a ser feito” (do blog, em 26 de abril de 2010). Não menciona, entretanto, o filme Thérèse, de 1986, ganhador de 6 Cesars em 1987, sobre o qual poderia afirmar o que escreveu sobre Retratos: “filmados em planos próximos, alternando o registro da prática de cada oficio ou profissão de cada personagem, traçam a anatomia das diferentes atividades e têm a simplicidade própria das obras dos mestres”. Também Celine Martin, irmã de Thérèse, em sua entrada no Carmelo, em 1894, levou consigo uma máquina fotográfica e fez diversos registros de instantes da vida conventual. Hoje, o rosto e a expressão de Santa Terezinha do Menino Jesus podem ser reconhecidos, e com muita força e penetração são partilhados pelo efeito da longa exposição. São imagens produzidas nas placas de vidro, quando as poses deveriam se prolongar por até 9 segundos. Ganham, então, juntamente com a documentação do cotidiano, a força das ações concretas realizadas na convivência monástica e, ao mesmo tempo, produzem um conjunto de equivalências. Nas fotos, ela, Thérèse – a jovem e a santa somam a experiência e o mítico - nos olha de forma intensa, permitindo uma correspondência ilimitada entre a imagem representada e a pessoa que foi. No filme, a semelhança física da atriz Catherine Mouchet com Thérèse acentua a naturalidade terra a terra e a simplicidade da jovem que praticou o “pequeno caminho” para a santidade. Enlaça a reconstrução das cenas sugeridas pelas fotos, deslocadas de uma continuidade dramática, momentos fracionados que criam um prolongado jogo de espelhos. |
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Bibliografia | ALTER, Robert. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo: Cia das Letras, 2007.
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