ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Memória dos gestos: a montagem de imagens de arquivo em Rocha que voa |
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Autor | Patricia Furtado Mendes Machado |
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Resumo Expandido | Em Rocha que voa (2002), Eryk Rocha rememora o período que seu pai, o cineastra Glauber Rocha, viveu em Cuba, em consequência da ditadura militar brasileira. Para tanto, explora não apenas a memória de Glauber e de seus filmes, mas evoca a memória do cinema latino-americano das décadas de 60/70 através dos arquivos de filmes da época. Um de seus gestos, que identificamos através das imagens e sons do documentário, foi o de selecionar e colocar em relação, através da montagem, arquivos de filmes latino-americanos e noticieros cubanos (arquivados no ICAIC) dessas décadas que tinham em comum registros documentais de personagens anônimos executando movimentos automáticos durante o trabalho. A função das mãos, em especial, chama a atenção nas imagens escolhidas. Sempre ocupadas, elas permitem que o operário da fábrica encaixe o parafuso no automóvel, que outro segure o maçarico para soldar a ferragem, que o pedreiro torça o vergalhão na construção civil e que a trabalhadora do campo segure a ferramenta para quebrar a semente. São mãos que funcionam como extensões de ferramentas precárias ou de máquinas mais sofisticadas, ou seja, mãos que pertencem a corpos-máquinas. Analisar as maneiras como essas imagens e sons são organizados é fundamental para entender os sentidos produzidos pelo diretor na montagem do filme. É importante entender de que modo se dá o gesto de intervenção de Eryk Rocha nas imagens produzidas no passado, que registraram esses personagens em seu cotidiano. Afinal, o pedreiro na rua, o operário na fábrica e o agricultor no campo foram flagrados por câmeras de cineastas que se preocuparam em mostrar a rotina e, na maioria dos casos, às pressões a que estavam submetidos esses trabalhadores.
A princípio, a repetição de imagens que contém gestos tão semelhantes nos remete ao que Didi-Huberman chamou de “memória dos gestos”. Ao analisar as colagens feitas por Bertold Brecht em seu Diário de Guerra, Didi-Huberman constata a aproximação, através da montagem, de fotografias tiradas em contextos históricos e geográficos diferentes, que tinham algo em comum: os gestos. Trata-se, assim, de uma memória “dos gestos e dos afetos humanos suscitados politicamente no corpo de cada um de nós” (2009, pg.164). Em Rocha que voa, podemos pensar em uma memória dos gestos que remetem a exploração do trabalho braçal ou serializado do povo oprimido, do povo trabalhador latino-americano. Entendemos que os gestos de intervenção do cineasta na filmagem (como filmar com película vencida) e, especialmente, na montagem (como colorir imagens, congelá-las, repeti-las, alterar sua velocidade, sobrepor planos, acrescentar várias camadas de sons a uma mesma cena) foram fundamentais tanto para evocar as memórias que estão em jogo no filme, quanto para multiplicar os sentidos produzidos pelos arquivos. A nossa proposta é entender de que maneira, a partir da montagem, uma mesma imagem pode ter ampliados os seus sentidos. Trata-se de uma memória que não resgata o passado, mas o reinventa no presente do filme. Para analisar que sentidos formulam fragmentos de filmes que reiteram gestos que se assemelham, quando organizados na montagem de Rocha que voa, procuramos nos deter em duas cenas em especial. Constatamos, assim, que o plano do grupo de migrantes nordestinos chegando à estação de trem de São Paulo e o plano de um grupo de operários trabalhando na construção civil são originados em três filmes diferentes: Viramundo, História do Brasil e Rocha que voa. Existe nessa passagem de um filme para outro, e na mudança do contexto histórico em que são feitos, similaridades e diferenças. À procura dessas semelhanças e dissonâncias, nosso intuito é analisar o que foram, o que poderiam ser e em que se tornaram as mesmas imagens quando retiradas do fluxo narrativo de seu filme de origem e organizadas de maneiras distintas nas montagens dos outros filmes. |
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Bibliografia | BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasilense, 1989
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