ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | O universo intertextual de Os famosos e Os duendes da morte |
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Autor | Michael Peixoto |
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Resumo Expandido | Durante mais de cinquenta anos desde a invenção do cinematógrafo, a noção de fidelidade à obra-fonte apareceu como principal norma de avaliação e crítica para as adaptações literárias no cinema. Adaptar um clássico da literatura conferia ao então novo meio um grau maior de respeitabilidade em um período marcado pela busca de provar seu caráter artístico. Dessa forma, diversos recursos foram desenvolvidos na ânsia de satisfazer esta expectativa de fidelidade, em uma relação claramente hierárquica. Um dos recursos mais polêmicos foi o “princípio da equivalência”, apontado por François Truffaut na década de 1950, qual tornava a mise-en-scène cinematográfica duplamente subordinada ao texto: do roteiro e do romance-fonte.
Conforme a perspectiva modernista foi ocupando maior relevância no fazer e pensar cinema, noções de certo e errado foram gradualmente sendo abolidas, abrindo espaço para a expressão autoral na mise-en-scène - baseada na utilização livre e irrestrita dos instrumentos fílmicos, assim como no uso ensaístico da câmera, em uma clara analogia do cinema com a literatura (agora no formato de composição e não mais na submissão aos conteúdos adaptados). A “entrada voluntarista numa espécie de idade adulta”, como ressalta Aumont (2008: 32), colocou o cinema em uma posição mais favorável ao diálogo. Este se fez presente tanto nas novas interações com os roteiros, na ideia de “filme sem roteiro” ou mesmo na noção godardiana de roteiro enquanto um esboço; assim como no próprio entendimento da adaptação, subvertendo a noção de hierarquia e defendendo a livre interpretação da obra-fonte em uma relação de contato e convergência. É nesse contexto que surge o conceito de dialogismo intertextual, defendido pelo teórico Robert Stam, no qual a adaptação aparece como “um processo de iluminação mútua” entre os meios envolvidos. Abarcando os conceitos de dialogismo (Bakhtin) e intertextualidade (Julia Kristeva), o dialogismo intertextual extingue a ideia de fidelidade e ressalta a energização criativa entre os meios, posto que “cada texto e cada adaptação aponta em muitas direções, avançando, retrocedendo e indo em direções paralelas” (STAM, 2005:27). Quando da publicação do livro “Os famosos e os duendes da morte” em 2010, o cineasta Esmir Filho declarou sobre o processo de adaptação para o filme de título homônimo, realizado no ano anterior: “a ideia não era adaptá-lo, e sim criar um diálogo entre as palavras do livro e as imagens do filme, buscando sentimentos análogos para o leitor/espectador.” Dessa forma, já à princípio, há menos o foco na transposição direta do livro para o filme e muito mais a criação de um universo que se complementa, que interage a partir da busca estética de artistas de sensibilidades irmãs. Pensando nestes diálogos criativos, é interessante destacar as opções visuais e sonoras que dimensionaram cinematograficamente o personagem sem nome do livro de Caneppele (o conhecemos apenas por seu nickname, “Mr. Tambourine Man”). Em relação aos recursos imagéticos, vale destacar a exploração de uma mise-en-scène sensorial apoiada em efeitos impressionistas, que compõem uma atmosfera poética a fim de refletir o estado de alma do protagonista. Em relação ao som, a criação de uma textura sonora e as canções “estrangeiras”, expressando a inadequação do personagem à sua realidade. O ambiente virtual, bastante presente tanto no livro quanto no filme, completa (e complementa) o universo d“Os famosos e os duendes da morte”, com uma série de vídeos e um canal de fotografias. Também a estética própria das fotos, assim como dos vídeos, contamina e interage com o livro e o filme, em uma perspectiva dialógica que direciona a análise menos para o processo de transposição e mais para a investigação das dinâmicas criativas de passagem e contato entre cinema e literatura. |
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Bibliografia | ASTRUC, Alexandre. “La caméra-stylo”. In: L'Ecran Français, Paris, no 144, 30 mar 1948. AUMONT, J. Moderno? Por que o cinema se tornou a mais singular das artes. Campinas: Papirus, 2008. BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991. BENJAMIN, Walter. Mágica e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1996. CANEPPELE, Ismael. Os famosos e os duendes da morte. São Paulo: Iluminuras, 2010. ______. Música para quando as luzes se apagam. São Paulo: Jaboticaba, 2007. MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. MENDES, João Maria. Por quê tantas histórias? Coimbra: Minerva, 2001. PELLEGRINI, Tania et al. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Senac, 2003. STAM, Robert. A literatura através do cinema. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008. STAM, R.; RAENGO, A. (eds.). Literature and film. Oxford: Blackwell Publishing Ltd, 2005. TRUFFAUT, François. O prazer dos olhos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
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