ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Harun Farocki e a imagem gesto |
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Autor | Danusa Depes Portas |
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Resumo Expandido | Foucault disse, certa vez, em entrevista, que “escrever é lutar, resistir; escrever é vir-a-ser; escrever é cartografar”. Escrever é criar, e criar é resistir para que se invente novas formas de vida que escapam às codificações do homem bem como as produções de signo que vão compor os espaços pré-fabricados da cultura contemporânea, que nos seqüestra e nos controla a todo instante. Só o ato de criação pode fazê-lo. Isso não passou desapercebido a Deleuze que, em Mil Platôs, vislumbra com precisão a secreta solidariedade entre escrita e potência: “Escreve-se sempre para dar vida, para libertar a vida lá onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga. Para isto, é preciso que a linguagem não seja um sistema homogêneo, mas um desequilíbrio, sempre heterogêneo”.
O intuito aqui é o de definir aspectos da técnica composicional do artista visual Harun Farocki no domínio do seu pensamento por imagem. Farocki não é um filósofo, mas um estrategista. Ele parece ver o seu tempo como uma guerra incessante e opera uma ferramenta para entender a violência política nas imagens da história. Tal deve-se à função específica da imagem e o seu caráter histórico. Mostrou Deleuze que a imagem não é algo fora da história: é um corte ele próprio móvel carregado enquanto tal de uma tensão dinâmica. É uma carga desse gênero que via Walter Benjamin naquilo a que chamava uma imagem dialética, que era para ele o próprio da experiência histórica. Os escritos de Farocki como seus filmes são regidos por um espírito crítico que se exerce sobre a produção de imagens, mas também sobre a economia política, a História, os dispositivos tecnológicos. Relativamente ao cinema, a exigência é de uma crítica da cultura visual num esforço de leitura de vasto inventário de imagens recorrentes no espaço público, investigando, de modos os mais diversos, o emprego de imagens da mídia a partir da tecnologia e a reflexão sobre as condições de sua produção. Há pressuposto nesse procedimento o intento de elaborar uma arqueologia e uma genealogia da imagem, situando-a como parte integrante de um sistema de saberes e valores que ancora formas de poder em sociedade, comanda a produção e o uso de tantas imagens. A montagem, desmontagem e remontagem das imagens é operada de uma maneira que cause estranhamento a quem as olhe, ainda que sejam conhecidas: é quando tornadas opacas por esse deslocamento que essas imagens podem, afinal, ter seus sentidos renovados, o que concede ao seu projeto maior potência. Nos modos do testamento metodológico do Atlas warbougeano Mnemosyne, Farocki é um analista de constelações visuais. Apesar de todas as diferenças de método e conteúdo que podem separar a pesquisa de um filósofo-historiador e a produção de um artista visual, ficamos impactados pelo seu método heurístico comum quando baseado em uma montagem de imagens heterogêneas. Método que não é usado nem para estabelecer classificações definitivas, nem um inventário exaustivo, nem para catalogar de uma vez por todas (como dicionário, arquivo ou enciclopédia), mas sim para recolher segmentos, restos do parcelamento do mundo, respeitar sua multiplicidade. E para outorgar legibilidade às relações postas em evidência, reconfigurar, e, assim, descobrir novas analogias, novos trajetos de pensamento. Ao modificar a ordem, faz com que as imagens tomem uma posição. Se aparece como um trabalho incessante de recomposição do mundo, é, em primeiro lugar, porque o mundo mesmo sofre decomposições constantemente. Bertold Brecht dizia, a respeito do “deslocamento do mundo”, que é “o verdadeiro sujeito da arte”. Seria pouco qualificar essa escritura como ensaio. Uma escritura que resiste a definições, oscilando entre poesia e reflexão, como entre ficção e documentário. A escritura fílmica de Farocki é o modo de pensar focaulteano, que Deleuze descreveu como devir, como qualquer coisa que se realiza no “milieux”, no entre-dois, na disjunção do enunciável e do visível. |
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Bibliografia | BLÜMLINGER, C. e FAROCKI, H. Reconnaître et Poursuivre. Paris: Théàtre Typographique, 2002
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