ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Recife insustentável: (des)apropriações imagéticas de um Nordeste diverso |
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Autor | Ana Ângela Farias Gomes |
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Resumo Expandido | Análise de Recife Frio, curta-metragem do pernambucano Kléber Mendonça Filho, que amealhou um grande número de prêmios em festivais recentes. A questão central está na construção de novas representações sobre o Nordeste na produção audiovisual contemporânea. A partir daí, mostrar uma experiência que foge do clichê da representação midiática sobre o Nordeste, que é a do cenário ambiental sertão-mar, da autoindulgência, da vitimização, da pobreza e da fome. O Nordeste mostrado por Recife Frio vai em direção contrária a uma série de filmes e outros produtos midiáticos que desde a fase das chanchadas no cinema constrói um “Nordeste-caricatura”.
Tais apropriações imagéticas do Nordeste sempre buscaram aplacar sinais de diversidade para em seu lugar propor um tom unívoco em torno da simbólica nordestina. Os motivos – sociais, históricos e principalmente econômicos – permanecem em debate, e têm na obra A invenção do Nordeste, de Durval Muniz, um trabalho relevante para se entender tal questão. O artigo analisa uma obra de um outro momento, onde o cinema desponta como canal de construção de novos imaginários sobre o Nordeste. Esse processo não é novo, se temos em vista Vidas secas de Nelson Pereira dos Santos, além de parte da obra de Glauber Rocha, que propõem ao Brasil uma re-visão sobre a “simbólica Nordeste”. Se Nelson traz uma perspectiva nitidamente influenciada pelo neorrealismo, evocando um Nordeste cru, referencial, Glauber vai além, explorando o potencial singular do cinema como linguagem para propor um Nordeste potencialmente revolucionário. Mais recentemente, uma série de obras vem sendo produzida, propondo novos olhares sobre o Nordeste. Diretores como Claudio Assis, Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Karin Ainouz, Marcelo Gomes, entre outros, demarcam uma geração que sequer dá atenção aos estereótipos até então construídos. Em meio a essa nova safra de produções, algumas – ainda poucas – investem nos cenários urbanos, em vez de explorar o tradicional sertão mítico e/ou seco e/ou pobre ou o litoral turístico e/ou cenário de um desejo futuro. Recife Frio segue uma anti-trajetória, reconstruindo a história de um território urbano assolado por uma tragédia ambiental. Diante de uma ordem narrativa de base em tom quase fabular, demarcada pela metalinguagem, propõe uma mediação com a cidade para mostrar a sua desordem social e ambiental. Sai do ficcional para buscar o referencial tornado ficção. Um “efeito do real ao contrário”. Kleber Mendonça, que desde sempre explorou o cenário urbano em seus curtas, consegue mostrar a complexidade intrínseca da interrelação entre ambiente e cultura. O curta vai além, propondo a impossível realização de um “desenvolvimento sustentável”, pretensão tão cara ao capitalistalismo contemporâneo. Na apropriação imagética que faz da cidade do Recife vai revelando um modelo de desenvolvimento que se pretende ceifador de diversidades. Mas eis que uma tragédia climática desvela a pulsação das diversidades e sua tensões. Então, o Nordeste, que tantas vezes teve como marca a instância ambiental através do binômio sertão-mar, agora ganha novos contornos identitários, não menos relacionados à questão ambiental. Não se trata de afirmar que apenas obras que exploram o território urbano conseguem evocar essa visão complexa sobre o Nordeste. Baile Perfumado, para citar um filme, é obra contemporânea que embora tenha o sertão como cenário, traz uma série de inovações. O caso é que esse processo de “libertação” de uma construção estereotipada do Nordeste tem no cenário urbano uma série de experimentações que instigam reflexões específicas. É perceptível um rompimento com dois ideários totalizantes relevantes. O primeiro, o do cenário-ambiente do Nordeste circunscrito ao “sertão-mar-pobreza”. Agora é o cenário urbano, mas não o periférico de Amarelo manga, e sim da classe média, território social do espectador comum. Já o segundo rompimento desvela a insustentabilidade do desenvolvimento de nossas metrópoles. |
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Bibliografia | AMOSSY, Ruth (org.). Imagens de si no discurso: a construção do ethos. SP: Contexto, 2008.
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