ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Ocupação: estrangeiros filmam a África do Sul |
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Autor | José Gatti |
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Resumo Expandido | Este trabalho pretende examinar alguns filmes que diegeticamente se localizam na África do Sul. Para essa tarefa, utilizarei os aportes teórico-críticos de Stuart Hall, Ella Shohat e Edward Said, assim como de pensadores sul-africanos. No início do século XX surgem os filmes de safari, com caçadores brancos e serviçais negros (que quase não têm falas). A situação política opressiva do regime sul-africano, no entanto, sensibilizaria realizadores estrangeiros, empenhados em denunciar o apartheid. Em 1937, o documentário britânico My Song Goes Forth inaugurou a produção de filmes-denúncia sobre a África do Sul. Dirigido por Joseph Best e com Paul Robeson, o filme percorre o país mostrando as riquezas naturais e culturais e o sistema segregacionista. Em 1959, Lionel Rogosin rodou Come Back, Africa clandestinamente em Johanesburgo, com a participação de importantes intelectuais negros. Nele, Miriam Makeba fez sua primeira aparição no cinema. Entre as ficções destaca-se Os Deserdados (1951), com Sidney Poitier, dirigido por Zoltan Korda, que traz um padrão que se repetiria: filme anglófono, realizado por estrangeiros -- elementos que causariam o distanciamento do público local, incapaz de se identificar com os filmes politicamente (rejeitado pelo público médio africânder), culturalmente (o público não se identificava com a atuação e os sotaques dos astros estrangeiros) e racialmente (o público negro pouco tinha acesso a esses filmes, de distribuição rarefeita no país). Poitier voltaria ao cenário sul-africano com Michael Caine em Conspiração Violenta (1975), de Ralph Nelson, que mescla política com contrabando de diamantes. Richard Attenbourough dirigiu Um Grito de Liberdade em 1987, produção anglo-americana com Kevin Kline e Denzel Washington. Este permanece pouco tempo em tela, já que seu personagem é logo torturado e assassinado pela polícia do apartheid; o filme se enquadra no gênero ação, focalizando as dificuldades do personagem de Kline para divulgar o fato e fugir espetacularmente do país. O filme de Attenborough seria seguido por muitos outros, como Um Mundo à Parte, (1988), de Chris Menges, com Barbara Hershey; Assassinato sob Custódia (1989), de Euzhan Palcy, com Marlon Brandon, Susan Sarandon e Donald Sutherland. Mais recentemente surgem Em Nome da Honra (2006), dirigido por Philip Noyce, com Tim Robbins e Derek Luke, e Invictus (2009), de Clint Eastwood, com Morgan Freeman e Matt Damon. Apesar da elogiada interpretação das estrelas, esses filmes esbarram num outro problema, que tem a ver com personagens "brancos" e que compromete o realismo pretendido por seus projetos estéticos: os personagens africâners, representados por elencos anglófonos, falam sempre inglês em suas cenas, mesmo aquelas em que os dialogantes são africâners. Para o público sul-africano, esse é um lapso evidente. Isso se torna mais radical em um filme como Adeus, Bafana (2007), de Bille August, com Dennis Haysbert, Joseph Fiennes e Diane Kruger. É baseado na autobiografia do africâner Gregory (Fiennes), recrutado para censurar a correspondência de Mandela (Haysbert) na prisão, por ser conhecedor da língua xhosa, e que se torna militante anti-apartheid. O personagem de Fiennes fala exclusivamente inglês com seus colegas africâners e sua família, seguindo a risco a estratégia consagrada. Mas isso muda quando a língua em questão não é de origem européia. Uma das cenas mostra um duelo de luta de varas amigável entre os dois, uma tradição xhosa. Nessa cena o diálogo é legendado, pois Haysbert e Fiennes falam em "xhosa". Com o auxílio de um bibliotecário de origem xhosa, Makhwenkiwana Dyasi, verifiquei que Haysbert e Fiennes falam um mero tatibitate, como nos antigos filmes de safari. O filme, desse modo, se alinha com práticas culturais colonialistas que suporíamos extintas. Ainda que possa parecer progressista para alguns, suas escolhas estéticas revelam a sobrevivência de um colonialismo racista enraizado em persistentes matrizes ideológicas |
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Bibliografia | Botha, Martin, Marginal Lives & Painful Pasts: South African Cinema After Apartheid, Cape Town: Genugtig! Publishers, 2007, 384 pp.
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