ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Figuras do encontro em Pedro Costa |
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Autor | João Paulo Dumans Guedes |
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Resumo Expandido | Num artigo intitulado "Funções do acaso", publicado na revista Cahiers du Cinéma em outubro de 1967, e reunido no livro Práxis do Cinema, em 1969, o crítico e teórico americano Noël Burch, comentando as conquistas dos cinemas "modernos" do pós-guerra, afirmava: " [...] por mais de cinquenta anos o cinema se esforçou em eliminar, na medida do possível, o mundo das contingências vividas, ou seja, o mundo do acaso. O interesse em dirigir a câmera para esse mundo incontrolável é bem recente, não apenas com objetivos éticos e informativos, mas também com a consciência de que esse confronto podem nascer estruturas e mesmo formas novas [...]" (BURCH, 2008, p. 142). O diagnóstico de Burch não podia ser mais preciso, e suas implicações, mais decisivas: ao se aventurar fora dos estúdios cinematográficos, o cinema inaugurava para si, na segunda metade do século passado, uma nova era. Como bem nota Ismail Xavier no prefácio do livro em questão, as observações e reivindicações de Burch eram amparadas por uma produção mais que consistente tanto do ponto de vista teórico quanto prático, já que ao longo da década de 1960 as vibrações transformadoras dos "novos cinemas" já "haviam traçado um percurso fundamental" (2008, p.11). A consciência despertada pelo cinema moderno de que era possível incorporar as "contingências vividas" e o "mundo do acaso" à própria estrutura dos filmes constituía, sem dúvida, um dos aspectos mais significativos dessa ruptura.
A partir dos anos 1980, o mundo presenciou a emergência de um conjunto relevante de cinematografias que, filiando-se às idéias e proposições do cinema moderno, colocaram novamente em pauta as diferentes modalidades de representação e incorporação do real no universo da ficção. O cinema narrativo e ficcional, tido nos seus primórdios como arte da mise-en-scène - como arte, portanto, da organização e do controle - teria com o tempo se tornado não só mais poroso aos acasos e interferências do mundo exterior como também mais consciente dos possíveis "usos" dessa relação. Para Jacques Aumont, que num estudo recente investigou a transformações sofridas pelo conceito de mise-en-scène ao longo da história, "colocar em cena, hoje - num cinema em que a montagem desempenha um papel essencial e em que as filmagens nos estúdio não são mais obrigatórias" significa aprender "a reagir ao encontro com os atores, com o cenário e com a situação dramática." (AUMONT, 2006, p.172) A partir das proposições feitas nesse contexto, o presente estudo pretende analisar dois filmes do realizador português Pedro Costa, procurando conjugar as ferramentas analíticas tradicionalmente associadas à mise-en-scène e a montagem para pensar como a emergência do real nos filmes narrativos contemporâneos solicita um novo tipo de enfoque crítico. Procurando minimizar o uso de generalizações que oponham ou discriminem os campos do documentário e da ficção, este estudo pretende privilegiar as diferentes inflexões do real na composição estrutural desses dois filmes, destacando a importância de uma figura particular - a figura do encontro - no desenvolvimento de sua estratégia narrativa . Os filmes Casa de Lava (1994) e Juventude em Marcha (2009) - além de outros filmes contemporâneos com os quais esses entram em relação - tem em comum o fato de se valerem de personagens ficcionais como "agentes" de desvelamento e de contato com o mundo real. Por meio desses encontros articulados pelo cinema, pessoas comuns e não-atores são convocados a integrar o fluxo da narrativa, problemas políticos atuais se manifestam no curso de fabulações ficcionais e transformações dos espaços do mundo se fazem sentir no cenário que serve de pano de fundo a estórias construídas. É sobretudo em torno desses três eixos que o presente estudo pretende discutir alguns dos dispositivos em jogo na construção e na encenação do encontro no cinema contemporâneo, assim como suas diferentes implicações políticas e estéticas para a obra de seus realizadores. |
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Bibliografia | ASTRUC, Alexandre. Du Stylo à la Caméra... Paris: L'archipel, 1992
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