ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | A guerra (in)visível, ou assombrações do capitalismo contemporâneo |
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Autor | Roberto Robalinho Lima |
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Resumo Expandido | “Todo corpo é uma linguagem que, no instante de sua plenitude, se desvanece; toda linguagem, ao alcançar o estado de incandescência, se revela como um corpo inteligível. A palavra é uma desencarnação do mundo em busca de seu sentido; e uma encarnação: abolição do sentido, regresso ao corpo.” (Paz, 1988:131) A natureza da linguagem (se é que possui uma natureza), como nos indica Paz, é fugidia. É um fluxo perpétuo, mesmo que sirva para fixar as coisas. A imagem está sempre acompanhada da linguagem, ainda que ela seja indesejada. Não há imagem pura e imanente. Mesmo que se apresente em estado bruto ela não está sozinha – a imagem nunca é uma realidade simples (RANCIERE, 2009:6). O regime da imagem é uma articulação complexa entre o dizível e o visível, entre o visível e o invisível (idem). De forma que esses estados não funcionam como oposições, uma coisa ou outra, mas coexistências múltiplas no mesmo corpo, o corpo encarnado e desencarnado da imagem. Em uma mesma imagem podemos ver o que há do mundo nela, suas semelhanças com uma realidade, mas também suas dessemelhanças. Esta tensão entre continuidades e descontinuidades, entre a imagem e o mundo, constrói esse “não lugar” móvel da imagem, “ ‘Imagem’ portanto se refere a duas coisas diferentes. A relação simples que produz a aparência de um original: não necessariamente sua cópia fiel, mas apenas o bastante para estar no seu lugar. E há o jogo de operações que produzem o que chamamos arte: ou precisamente uma alteração da semelhança.” (RANCIERE, 2009:6) As formas diferentes como se articulam essas relações entre o visível e os sentidos da imagem criam regimes estéticos distintos, como aponta Ranciere. Se há uma mobilidade na imagem: entre ver e não ver, dizer e não dizer; há nesse percurso diferentes casamentos possíveis entre esses estados. Essa complexidade da natureza da imagem traz uma problemática que se agrava na modernidade, especialmente com as tecnologias de reprodução de imagem a partir do século XIX. Esta sua capacidade de referenciar uma realidade, de se colocar como espelho de algo, traz a tona a ideia de poder possuir um poder de revelação. Diante dessas considerações a proposta desta comunicação é pensar na produção estética de uma certa imagem no capitalismo contemporâneo. Para isso irá tratar da construção imagética e narrativa de três filmes de ficção sobre a Guerra do Iraque. Os filmes escolhidos pertencem a princípio a uma mesma ordem discursiva hollywoodiana, são eles: Guerra ao terror (Bigelow, EUA, 2010), Zona Verde (Greengrass, EUA, 2010) e Guerra sem cortes (De Palma, EUA, 2007). Todos os filmes abordam o período da guerra pós invasão de Bagdá em que os Estados Unidos permanecem no país para manter a “ordem” e o sucesso da “libertação” do povo iraquiano. Quais imagens cinematográficas nascem dessa guerra disforme, a princípio sem um corpo visível, como um “gás”, gerida e modulada pelos generais em seus escritórios através das telas dos computadores ou da CNN – uma guerra sem baixas (pelo menos na visão americana), ou como aponta Zizek, a guerra sem sua substância, “Assim como bebemos cerveja sem álcool ou café sem cafeína, temos agora a guerra esvaziada de sua substância (...)” (ZIZEK, 2003:53)? Nesse ponto reside a construção cruel da guerra contemporânea a despeito das vítimas e do horror (e não há nada mais concreto e “real” do que a morte), essa guerra que se faz sem corpo, impossível de se pegar com as mãos, pulverizada, modular e de uma ocupação infinita. Afinal se é uma guerra não se tem o direito de vivenciar a guerra em si, mesmo com suas mortes e violência? Este rosto cínico é a manifestação mais imperiosa do biopoder contemporâneo, impedir que se viva o conflito na sua substância mais “real” tornando assim os mortos invisíveis. Pretende-se portanto, tentar compreender como essa guerra “etérea” passa a ter corpo na tela de cinema nas imagens projetadas de um grupo de filmes Hollywoodianos. |
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Bibliografia | RANCIERE, Jaques. The future of the image. New York: W W Norton and Company, 2009. PAZ, Octávio. O mono gramático. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. SAFLATE, Vladimir. Maybe the next time, sobre Crash de David Cronemberg. Palestra no XIV encontro da Socine que ocorreu em 2010 em Recife. ZIZËK, Slavoj. Bem vindo ao deserto do real!. São Paulo: Boitempo, 2003. |