ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Entre a verdade e a ilusão: um estudo das potências do falso no cinema |
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Autor | Jamer Guterres de Mello |
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Resumo Expandido | Gilles Deleuze, em “Cinema 2: a imagem-tempo”, aproxima do cinema o conceito nietzschiano de potências do falso. Para o autor, o cinema seria um ambiente privilegiado de manifestação das potências do falso em função da forma como os filmes operam o tempo e o movimento. Ao promover uma desestabilização do tempo, o cinema o transforma em devir e assim eleva o falso à máxima potência. Não haveria mais verdade, haveria apenas o devir em pleno jogo, em pleno artifício (DELEUZE, 1990, p. 173).
Este trabalho busca compreender diferentes formas por meio das quais se manifestam as potências do falso no cinema, tanto na concepção das imagens quanto na construção das narrativas. Para tanto, optou-se pela análise de dois filmes ilustrativos da relação que Deleuze estabelece entre pensamento e imagem, “Verdades e Mentiras” (“F for Fake”, Orson Welles, 1973) e “O Signo do Caos” (Rogério Sganzerla, 2003). Cada uma a seu modo, ambas as obras evidenciam a processualidade do falso e sua expansão enquanto potência de diferenciação e materializam a questão do pensamento, suas imagens e seus modos de expressão. Em “Verdades e Mentiras”, Orson Welles potencializa o jogo da falsidade através da indiscernibilidade entre verdade e mentira, e não apenas confunde o espectador em relação ao real, como também produz uma ilusão (fabulação) que ultrapassa o efeito (simulacro) do real. Eis aqui os aspectos de “uma arquitetura da visão” que Deleuze atribui especialmente a Orson Welles. Trata-se de uma espécie de sedução que se articula numa relação de desligamento ou de estranhamento das coisas no tempo e no movimento – ou de um desvio sedutor do olhar, para nos valermos da ideia de Brakhage (1983, p. 351) de que possuímos um olhar capaz de imaginar qualquer coisa e, deste modo, os objetos teriam a capacidade de nos “enganar” já que o nosso olhar tem esta predisposição. Já “O Signo do Caos”, último filme dirigido por Rogério Sganzerla antes de sua morte em 2004, é uma espécie de fábula ou ficção absurda em que funcionários do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) recebem um baú com os negativos de “It's All True” (documentário que Orson Welles teria filmado no Brasil) e decidem destruí-los devido ao seu conteúdo inapropriado. O cineasta cria, então, um emaranhado de fragmentos de imagens que manifestam o devir de um plano de pensamento, um plano de extensão cujas dimensões crescem com as multiplicidades do caos e sua lógica da desordem. Percebe-se também que nos dois filmes os limites entre real e ficção, verdade e mentira são tensionados ao máximo, num movimento que leva ao extremo de passarmos a questionar se estes limites de fato importam. “Verdades e Mentiras”, de certa forma, materializa a falsidade ao tomá-la como tema aplicando no próprio espectador um jogo de ilusão e “O Signo do Caos” remonta uma ficção em cima de um argumento que é real, mas não de um fato que é necessariamente real. Considera-se aqui que as contribuições de Deleuze ao estudo do cinema e da natureza da imagem fílmica compõem um encontro relevante entre cinema e filosofia, e lançam bases importantes para uma reflexão sobre as diferentes dimensões do tempo e do movimento atreladas à imagem cinematográfica. Além de Deleuze, o trabalho dialoga também com outros autores, como Henri Bergson, André Parente, Philippe Dubois, Jorge Vasconcelos, Georges Didi-Huberman, Raymond Bellour e Martine Joly. |
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Bibliografia | BELLOUR, R. Pensar, contar: o cinema de Gilles Deleuze. In: RAMOS, F. (org.). Teoria contemporânea do cinema. São Paulo: SENAC, 2005, vol. 1.
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