ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Eu recuso: dos objetos aos abjetos |
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Autor | Cléber Eduardo |
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Resumo Expandido | No contundente e paradigmático artigo “Da abjeção”, publicado em junho de 1961 na Cahiers du Cinema, o crítico e cineasta Jacques Rivette estabelece uma recusa a “Kapo” (1960), de Gillo Pontecorvo, em artigo cuja importância está em consagrar, no pensamento sobre cinema, uma relação entre forma e moral (ou forma e política). Não se trata de julgar o filme pelos fatos narrados, sequer pelo êxito técnico dessa narração. O que está em questão são princípios norteadores dos procedimentos: uma noção de realismo espetacular, calcado em reconstituição dos campos de concentração, maquiados de forma grotesca, de modo a tornar suportável a experiência. Para localizar uma evidência da doença estética (ou imoralidade formal), Rivette vai a uma ferida exposta no corpo do filme: o plano em que uma personagem se joga contra um arame farpado eletrificado, com um travelling para a frente para reenquadrar o cadáver em contraplongée. Para Rivette, o diretor responsável por essa operação só tem direito ao mais profundo desprezo.
O Holocausto é um nervo aberto para o pensamento sobre a imagem, como reflete Georges Didi-Huberman. Para Rivette, é questão de modo, de mise en scène, de travellings. Para nós em 2011, é menos importante concordarmos ou não com a sentença de Rivette, a partir desses critérios calcados em uma medida de encenação justa, mas ecoarmos a dúvida de Serge Daney, que, em 1992, no artigo “O travelling de Kapo”, questiona se os jovens ainda conseguem recusar algo no cinema, após a televisão e a publicidade. Rivette já profetizava isso em seu texto, afirmando que o horror, ao qual nos habituamos aos poucos, habita a paisagem mental do homem moderno. E interroga: “quem poderá, da próxima vez, se espantar ou se indignar com aquilo que terá deixado de ser chocante?”. Atualizamos essa indagação de Rivette e a dúvida de Daney, a partir de determinadas operações de filmes contemporâneos, mas com uma tomada de posição no sentido de revitalizar a recusa, a repulsa, a abjeção, como forma de rejeitar um vale tudo no campo da imagem, que normaliza a exibição em tele-noticiários de imagens de assassinatos gravados por câmeras de vigilância, chegando, em um caso recente, a se congelar a imagem no rosto de um assaltante no exato momento de seu último espasmo facial. Se na hora do jantar essas imagens estão no ar fora de seus contextos e de suas dores, que limite pode se esperar do cinema em suas operações? Não se trata de censura ou patrulha, mas de ver nas escolhas formais modos de olhar as coisas e nos levar a vê-las de certo modo. Em nossa atualização, levamos em consideração certas operações de montagem de “Estamira”, de Marcos Prado, e uma determinada sequência de “A pessoa é para o que nasce”, de Roberto Berliner, operações trapaceiras com suas personagens, deslocando a discussão do campo da justa representação de uma situação histórica para o campo ético e estético das relações de poder entre realizador e personagens no documentário, que parecem deixadas de lado em certos momentos em nome do efeito espetacular e narrativo. Em “Estamira”, levamos em consideração um corte da imagem e da voz do filho, que define a mãe como louca, para uma imagem dela aos berros, em surto, a confirmar o filho. Em “A pessoa para o que nasce”, a decisão do diretor de sair do quarto do hotel, mas deixar sua indiscreta câmera filmando suas personagens desprovidas de visão. |
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Bibliografia | BAZIN, André. “Morte todas as tardes”. Cahiers du Cinéma, 1951.
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