ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Duelos no palco: O filme Amélia e os estudos pós-coloniais |
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Autor | Cleuza Maria Soares |
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Resumo Expandido | De acordo com Santos (2004), o colonialismo terminou “enquanto relação política, mas não acarretou o fim do colonialismo enquanto relação social, enquanto mentalidade e forma de sociabilidade autoritária e discriminatória”. (SANTOS, 2004, p. 8). Permanecem nas sociedades que sofreram com a colonização, ocidentais ou não, padrões de discriminação social. Santos afirma que o pós-colonialismo são correntes teóricas, com presença acentuada nos estudos culturais, mas também nas ciências sociais. O foco dessas correntes é a prioridade teórica e política nas relações desiguais entre “O Norte e o Sul na explicação ou na compreensão do mundo contemporâneo”. (SANTOS, 2004, p.8).
Destaco pelo menos duas seqüências no filme Amélia em que as relações conflituosas e as relações desiguais de poder entre as personagens podem ser observadas. A primeira cena escolhida é o momento em que Sarah e Francisca “duelam”. Vicentine chega com as esgrimas para o ensaio de Sarah. Esta diz a Francisca: “Gostaria de uma luta de esgrima? Vais ver. Vou te ensinar, vai ser muito útil em Cambuquira!” Essa fala é dita num tom de zombaria. Francisca diz: “Vou rachar a cabeça dela no meio.” A irmã e a agregada participam, torcendo aos gritos: “Racha a cabeça dela!” – diz Maria Luíza. Francisca pergunta, aos berros, como é que se faz para ela parar. Sarah diz: “Eis a verdadeira luta, o autoconhecimento! Nasci para ser diferente e para reafirmar todas as minhas diferenças! Sou uma artista!”. Francisca rebate: “O talento tem fim!” Esta frase, dita em francês pela brasileira, provoca um impacto em Sarah, ela finalmente para a luta e abaixa a cabeça em sinal de compreensão. Sarah encarna uma atitude colonialista de opressão, por intermédio da língua. Pois, ao dizer que nasceu para ser diferente, quer, a todo custo, reafirmar sua superioridade. Desse modo, o embate entre elas se dará também pela linguagem, local onde o poder hegemônico se concretiza, é o que se pode observar nas análises de Stam (1992) sobre linguagem e poder em Bakhtin, pois “Para Bakhtin não há embate político que não passe também pela linguagem. Assim as linguagens estão engajadas no jogo do poder, presas em hierarquias artificiais oriundas de hegemonias políticas e de opressões culturais.” (STAM, 1992, p. 64-65). Na segunda cena escolhida, após ouvirem mais ofensas de Sarah, as mineiras vão atrás de Sarah, que está envolvida com a preparação da peça Tosca. Sarah grita com elas para deixarem-na em paz. Após ouvir os desaforos de Sarah, Francisca caminha em sua direção, levanta a mão direita num gesto como se segurasse uma arma e recita, de Gonçalves Dias, poeta maranhense, I Juca Pirama. Ao terminar de recitar, Francisca está em pé, com o braço erguido acima da cabeça, como a imitar uma estátua – a mesma a que ela observou atentamente, no momento em que subiu as escadas do hotel em direção ao quarto, no dia em que chegaram ao Rio de Janeiro – e a própria Sarah, em suas encenações. A posição da mão erguida também remete à luta de espadas que elas encenaram. Esta cena é o grande momento da personagem Francisca, pois ela se coloca imponente, altiva, teatral. É por meio dessa apropriação do fazer artístico de Sarah, utilizando gestos e teatralização, por meio dessa imitação, bem como da utilização dos textos românticos dos autores brasileiros, que Francisca faz seu agenciamento e resistência que se dá por meio da paródia. Enfim, o objetivo deste trabalho foi fazer uma leitura do filme Amélia com base nos estudos pós-coloniais. Observamos a pertinência do mesmo ao contribuir para a desconstrução da imagem de uma Europa “superior” representada pela atriz francesa no encontro de culturas entre Sarah e as mineiras. De acordo com nossa leitura, podemos perceber, por meio de uma obra ficcional, como pessoas com línguas, costumes, culturas tão diversas, trazem em suas experiências resquícios de padrões de comportamento autoritários e discriminatórios comuns nas antigas sociedades coloniais. |
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Bibliografia | BAKHTIN, M. M. Questões de Literatura e de Estética: A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini [et al.]. São Paulo: Editora Hucitec, 1988.
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