ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | O tempo perdido e o fim da experiência como um princípio estético |
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Autor | Marcelo Monteiro Costa |
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Resumo Expandido | Largamente difundida pela obra de Proust, a idéia de tempo perdido está normalmente associada ao “passado, e seu vestígio na memória; esse tempo passado em via de esquecimento” ou ainda ao “tempo ‘negligenciado’, aquele que não parece essencial quando passa, mas se revela ulteriormente importante” (AUMONT, 2004, p.33). Entretanto, ao se ater a esse sentido, talvez se opere um reducionismo do conceito, pois como alerta Deleuze: “O tempo perdido não é apenas o tempo que passa, alterando os seres e anulando o que passou; é também o tempo que se perde” (DELEUZE, 2010, p.16). É justamente esse maior alcance do conceito que melhor se aproxima da idéia de tempo perdido entendida a partir do filme O Que Resta do tempo e da nova cinematografia romena. Aqui o tempo perdido assume a conotação de um tempo tolhido pela opressão política, algo forçosamente interrompido; uma espécie de tempo morto que aniquilaria qualquer esboço de experiência. Nesse sentido, a própria concepção do tempo morto sofreria um abalo: ao invés de referir-se às pausas, ou aos espaços temporais onde “nada acontece” na progressão narrativa, ele aqui corresponderia à idéia do tempo que se perde, que se quer ausente, impossibilitando a experiência. O conceito assumiria, assim, uma dimensão mais política do que narrativa, propriamente. Parece ser com essa consciência que O Que resta do tempo é apresentado como uma “crônica de um presente ausente”, estreitando assim a idéia de um vácuo que se insinua e domina inteiramente a linha do tempo. Ao tentar (re)visitar a infância e atravessar gerações, o filme de Suleiman sugere que o presente ausente é uma decorrência de um passado ausente que se estende, que dura, numa aproximação ao conceito de Bergson. … a duração é o progresso contínuo do passado que rói o porvir e que incha ao avançar.[…] o que sentimos, pensamos, quisemos desde a nossa primeira infância está aí, debruçado sobre o presente que a ele irá juntar-se, forçando a porta da consciência que gostaria de deixá-lo para fora.” (BERGSON, 2005, p.5) Bergson é um dos responsáveis por associar a experiência e a memória a uma manifestação inconsciente. E é a partir dessa relação que Benjamin vai deflagrar a crise da experiência na modernidade. Marcada por excitações inconscientes que deixariam traços duráveis na memória, a experiência se vê ameaçada pelos “efeitos de choque” provocados pela era moderna – a guerra, as grandes cidades, a multidão, a máquina, o fim da narração (BENJAMIN, 1989 e 1994). Esses efeitos de choque, percebidos pela consciência, impedem que as impressões sejam incorporadas à memória, o que favorece seu desaparecimento de forma instantânea. Sendo assim, a propagação e perpetuação dos efeitos de choque de um regime político opressor – a ditadura de Ceausescu na Romênia e a questão palestina no caso de Suleiman – aprisiona os homens num calabouço onde a luz da experiência não encontra frestas por onde se esquivar, privando-os de suas referências histórico-culturais, do seu passado e presente, e consequentemente, do seu futuro. Se uma das condições para o estabelecimento da experiência é a sua relação com o acaso, o inesperado (AGAMBEN, 2005, p.25), a impossibilidade de romper a previsibilidade de uma engrenagem aniquila a experiência. É justamente a partir dessa consciência que parece surgir um novo princípio estético amparado na idéia de spleen – a melancolia decorrente do reconhecimento da experiência como algo irrecuperável que “transforma essa perda na própria matéria de sua reflexão.” (JOBIM E SOUZA, 1994, p.45). Curiosamente, a aniquilação da experiência - aqui relacionada com a morte do tempo - é representada nesses filmes através de uma redescoberta do tempo. Afinal, “no spleen… a percepção do tempo está sobrenaturalmente aguçada; cada segundo encontra o consciente pronto para amortecer o seu choque” (BENJAMIN, 1989, p.136). Como se o tempo redescoberto pelo cinema reificasse o fim da experiência, que hoje marca o homem contemporâneo. |
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Bibliografia | AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Campinas, SP: Papirus, 2004. BENJAMIN, Walter. O Narrador. In: Obras Escolhidas: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. BENJAMIN, Walter. Sobre alguns temas em Baudelaire. Obras escolhidas (v.3). Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. 1 ed. – São Paulo: Brasiliense 1989. BERGSON, Henri. A Evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005. DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. JOBIM E SOUZA, Solange. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin. Campinas – SP: Papirus, 1994. PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido – No caminho de swann. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. |