ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Sob a luz do afeto: espaço e tempo em Enter the void |
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Autor | Raquel do Monte Silva |
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Resumo Expandido | A análise do filme Enter the void (2009), do diretor franco-argentino Gaspar Noé nos permite, entre outras coisas, pensar como o espaço e o tempo são constituídos na narrativa. Neste sentido, a obra que narra a experiência de Oskar (um jovem americano que vive em Tóquio e passa a discorrer sobre a vida após a sua morte) possibilita a reflexão em torno da percepção e da experiência desses dois elementos estruturantes da narrativa. Para tanto, a nossa abordagem ancorar-se-á na tentativa de investigar como a dimensão do afeto viabiliza a construção da espacialidade e temporalidade na escritura fílmica. A investigação centrar-se-á também na imagem de Enter the void, sendo assim, pensaremos, sobretudo, como a composição do plano, os enquadramentos e a fotografia favorecem a constituição da representação da temporalidade e espacialidade. Para abordar o quadro trabalharemos a partir das considerações trazidas por Jacques Aummont em O olho interminável – cinema e pintura. No ensaio do pesquisador francês interessa-nos a perspectiva que o mesmo articula ao abordar as aproximações entre cinema e pintura. No entanto, extrapolaremos e acrescentaremos a este debate uma tentativa de pensar a composição cromática, por exemplo, a partir de uma certa produção contemporânea nas artes visuais. Pensaremos a fotografia do filme de Noé articulando-a especialmente com o trabalho do artista americano Dan Flavin, que propunha um modelo de representação do objeto pautado no uso das luzes e nas novas experiências sensoriais instauradas pela mobilização delas. Pensar as cores que delineiam a Tóquio apresentada por Oskar em Enter the void é também evocar a ideia da imagem-cor deleuziana: Há efetivamente um simbolismo das cores, mas este não consiste numa correspondência entre uma cor e um afeto. Ao contrário, a cor é o próprio afeto, isto é, conjunção virtual de todos os objetos que ela capta (DELEUZE, 1983; 151).
No processo de diálogos teóricos e trânsitos de campos artísticos e do conhecimento interessa-nos aprofundar o debate de como a imagem instituída no filme contém, por exemplo, uma nova maneira de perceber o espaço, fato que mobiliza uma nova experiência do olhar. Neste trabalho de deslocamento do olhar e na tentativa de inventariar o universo significativo do espaço encontram-se as distinções feitas por Michel de Certeau sobre o lugar e o espaço e também à categorização elencada por Merleau-Ponty em a Fenomenologia da percepção, quando distingue o espaço geométrico do existencial. Na busca pela compreensão da configuração do espaço lança-se mão da ideia de espaço qualquer, apresentada por Gilles Deleuze em Imagem-movimento. Sinteticamente, interessa-nos a inserção do afeto e seu espaço-tempo próprio, denominado de espaço qualquer e que tem entre suas características, segundo Roberto Machado, ser um espaço tátil, singular, não homogêneo, desconectado, que perdeu suas coordenadas como relações métricas e também é um espaço de conjunção virtual, puro lugar do possível, que abole as distinções espaciais, permitindo que qualquer plano possa adquirir o estatuto de primeiro plano (MACHADO, 2009; 263). A composição do espaço conjugado ao afeto servirá também para apresentar a dimensão do tempo em Enter the void, movimento que reforça a centralidade do tempo e da memória nos processos de formação humana e no campo da experiência estética e artística. A narrativa fílmica é estruturada a partir do cruzamento simultâneo do presente e passado, neste jogo observa-se, por exemplo, que a memória é ressignificada a partir da dimensão transcendental na qual é lançado o personagem e o posicionamento da câmera – os planos são tomados a partir do alto, do teto. Nas regiões da memória de Oskar encontram-se singularidades, aspectos e características que são impregnadas na imagem num duplo movimento: do ponto vista plástico e no que se refere à tessitura do tempo narrado. |
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Bibliografia | AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, SP: Papirus, 1994.
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