ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | A vida e o cinema nas Fontainhas: encontros e desencontros |
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Autor | Clarisse Maria Castro de Alvarenga |
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Resumo Expandido | “Muitas coisas o ser vivo avalia mais alto do que a própria vida; mas através mesmo da avaliação, o que fala é a vontade de poder.”
Friedrich Nietzsche A pergunta que procuro fazer aqui é a seguinte: porque Pedro Costa realiza, de 1997 a 2006, três filmes no mesmo lugar, contando com a participação de um mesmo grupo de personagens em cena? Porque recentemente o cineasta volta a Fontainhas para realizar um quarto filme ainda com esse mesmo grupo? Pretendo investigar, exatamente em que medida esse gesto, que aparentemente é um retorno ou uma repetição ao longo da obra de Costa, nos diz da respeito da relação entre o cinema e o mundo vivido. O percurso metodológico para abordagem da trilogia das Fontainhas (Ossos, 1997; No Quarto da Vanda, 2000; e Juventude em Marcha, 2006), neste caso, seria o seguinte: realizar a análise fílmica e dos procedimentos usados em cada um dos três filmes. Depois, examinar as relações de continuidade e descontinuidade (no nível da escritura e no nível dos procedimentos). Do ponto de vista conceitual, pretendo examinar: 1) qual seria a concepção de imagem que estaria em jogo a partir desse gesto de Pedro Costa; 2) que concepção de mundo essa concepção de imagem nos propõe; 3) quais as várias relações possíveis que surgem entre a imagem e o mundo a partir daí. Adianto que o que se pretende a partir dessa abordagem é justamente assinalar como se dá a abertura de um conjunto de filmes ao mundo vivido. Uma concepção de imagem que seria possível aventar para entender o trabalho de Pedro Costa seria justamente aquela que César Guimarães e Ruben Caixeta reivindicam sobre as imagens pensadas na sua relação com o mundo a partir do documentário. "Outra vez: se ele [o cinema documentário] requer a invenção de um mundo (e não se contenta com o decalque ou a reprodução de um mundo já dado, pronto, pretensamente ‘à espera’ para se render aos procedimentos do discurso), é porque o documentário persegue o realismo como uma utopia, sabedor do fato de que a representação jamais coincidirá com a vida (e que a escritura do filme não pode, absolutamente, colmatar, suturar esse hiato)." (CAIXETA e GUIMARÃES, 2008: 45) A concepção de imagem que está em jogo aí é, portanto, uma imagem que não pré-existe ao mundo, nem é uma decorrência dele. Imagem e mundo vivido estão em constante relação, um nunca sobrepondo o outro. Sobre a concepção de mundo que essa concepção de imagem sugere, podemos aventar um mundo sem fundamento nem finalidade, um mundo que devém, tal como a imagem. É por isso que sou levada a estabelecer uma aproximação entre essa concepção de imagem e uma certa concepção de mundo presente no artigo de Silvia Pimenta Velloso Rocha sobre o perspectivismo. “´O mundo existe; ele não é alguma coisa que devém, alguma coisa que passa. Ou mais exatamente: ele devém, ele passa, mas nunca começou a devir, nunca deixou de passar – ele se conserva sob as duas formas. Ele vive de si mesmo: seus excrementos são seu alimento’”. (ROCHA, 2003: 57) Da mesma forma que o mundo descrito por Rocha, os filmes de Costa não surgem do nada, eles se alimentam uns dos outros. O que sobra em um, o que fica de fora, é justamente o material que será usado no próximo. Nesse sentido trata-se de um cinema sempre inacabado, em constante devir e que, por isso, ensaia diversas relações com o mundo, que por sua vez também não se deixa deter. Pretendo aproveitar a já extensa fortuna crítica construída em torno da obra de Pedro Costa. Entretanto, o que está posto aqui, como procurei mostrar, é uma busca por aquilo que escapa a cada um dos filmes vistos em separado e que poderia surgir entre eles ou na abertura deles pro mundo vivido. Como nos aponta César Guimarães (2006, p. 39), seria preciso “não apenas identificar quais poderes emolduram tal visibilidade e por meio de quais estratégias discursivas e imagéticas, mas também descobrir o que é deixado de fora (os resíduos impensáveis, os dejetos intratáveis, os gestos invisíveis)”. Eis o desafio. |
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Bibliografia | BRASIL, André. Formas de vida na imagem: da indeterminação à inconstância. In: Revista Famecos. Porto Alegre, v. 17, nº 3, set/dez, 2010, p. 190-198.
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