ISBN: 978-85-63552-07-5
Título | Estética, Política e Fé no cinema de Lars von Trier |
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Autor | Júlia Machado de Carvalho |
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Resumo Expandido | O cinema de Lars von Trier filia-se a um olhar de vanguarda, de intelectuais e artistas ligados à arte moderna, “de quem entende o cinema não como coroamento do ilusionismo teatral, mas como ruptura, inauguração de um novo diálogo com a natureza e os homens” (Xavier, 2003, p.40). Estabelece, ao seu modo, uma aparente adesão aos códigos, para então, em um jogo de espelhos, colocar o próprio universo ficcional como objeto de reflexão. Este trabalho visa apresentar algumas das conclusões presentes na dissertação de mestrado defendida pela autora em 2010 sob o título de Dançando no Escuro: Tradição e Ruptura no Cinema de Lars von Trier.
O realismo cotidiano de seu cinema, assim como o de seu conterrâneo Carl Th. Dreyer, traz uma tensão interna, a partir da figura dissonante do protagonista. Ambos criam protagonistas alienados de seu próprio ambiente de convivência, estabelecendo, assim, um contraste entre a personagem e o mundo que a cerca, o que constitui uma fonte de ironia (Schrader, 1972). Outra semelhança está na freqüente tematização do sacrifício em seus filmes. O sofrimento dos protagonistas acabam por alterar a maneira como observamos o mundo e a nós mesmos e, em certa medida, aponta para o caminho da transfiguração do trabalho artístico. “A palavra grega protagonista significa precisamente ‘aquele que originariamente agoniza’” (Menegazzo, 1994, p.29). Está relacionada aos atos antigos de magia quando, em algumas sociedades, os rituais culminavam no sacrifício de um animal, a ser oferecido aos deuses. Esse animal viria a ser substituído simbolicamente pelos mitos, que representam essas figuras, permitindo a dramatização da relação do homem com o desconhecido, mas evitando suas conseqüências reais. (Menegazzo, 1994) O enforcamento apresenta-se como uma das marcas recorrentes nos filmes de Lars von Trier. Em Dançando no Escuro, em particular, a cena do enforcamento da protagonista Selma reflete a situação do teatro e da quarta parede, que, inclusive, corresponde à própria arquitetura desses espaços de execução, com sua cínica perversidade. E é somente na cena final que, pela primeira vez no filme, Selma canta a plenos pulmões, sem coro nem artifício, ao saber que seu filho Gene tinha sido curado da cegueira. Seu canto preenche o ambiente silencioso e expressa a carga de emoções que guardava em seu interior, apontando para a sua libertação espiritual. Por fim, a violência da execução se faz também sonora, irrompendo o canto e restabelecendo o silêncio. "O espectador se acha diante de um dilema: enquanto o ambiente exprime um tipo de realismo documentarista, a personagem principal manifesta uma intensa paixão espiritual. Este dilema gera nele uma tensão interior (…)". (Schrader, 1972, p.77) Von Trier constrói aí uma “estranha atmosfera”, colocando “a intensidade espiritual no interior de um mundo concreto”, gerando “um envolvimento emotivo em um contexto frio e insensível”. Isso promove uma cisão, isto é, evidencia a necessidade de emoções, mas não mostra um espaço ao qual estas possam se exprimir. Vale-se da estratégia de aproximar elementos radicalmente distintos e exibir suas contradições pela violência do contraste, explorando o cinema como espaço privilegiado para encenar os conflitos potencialmente presentes na sociedade. É possível ler os filmes de Lars von Trier como alegorias da própria criação, em que o cineasta coloca-se como criador do mundo diegético, tendo na protagonista a figura capaz de viver no mundo construído ao mesmo tempo em que revela seus poderes e perigos. “Os deuses, sacrificando, veneram o sacrificado” (Rigveda apud Jung, p.404). Assim, o protagonista é, ao mesmo tempo, herói trágico e simpático, gerando identificação com o espectador. Este, contudo, só se defronta com a realidade de representação do filme quando já se vê nele envolvido empaticamente, o que acaba por ser um desafio à consciência. |
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Bibliografia | ARISTÓTELES, Poética. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
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