ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Suicidas e foliões: carnavalização e realismo em Tudo Azul(1951) |
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Autor | Marcos Francisco Napolitano De Eugênio |
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Resumo Expandido | O filme Tudo Azul (1951), dirigido por Moacyr Fenelon foi definido pelo crítico literário Anatol Roselfeld como um “filme de carnaval inteligente”. Fenelon tem sido destacado pela historiografia do cinema brasileiro como um dos animadores do projeto de cinema independente, na busca de uma cinematografia “nacional-popular”, que conciliasse diversão e realismo crítico acessível às massas. O filme Tudo Azul se encaixa neste projeto, ao narrar a angústia do “pequeno funcionário” Ananias, compositor inédito e pai de vários filhos que trabalha em uma companhia de seguros, mas sonha em ser compositor famoso. Fracassado e oprimido pelo cotidiano medíocre, Ananias tenta o suicídio, o que serve de mote para a apresentação de uma série de números musicais festivos, protagonizados por Marlene, Dalva de Oliveira, Blecaute e Jorge Goulart. Neste sentido, Tudo Azul faz parte de uma tradição abortada pelo cinema brasileiro, mas alimentada pelos realizadores e críticos de esquerda (sobretudo comunistas) entre os anos 1940 e 1950, qual seja: conciliar o filme musical com o olhar realista. Não por acaso, o projeto original de Tudo Azul foi pensado pelo roteirista Alinor Azevedo (ex-membro do PCB). Moacyr Felenon aceitou filmar o roteiro, transformando-o em uma comédia musical carnavalesca. Entretanto, mesmo sem abrir mão dos elementos da chanchada carnavalesca clássica – música, coreografias de teatro de revista e tipos cômicos – o filme traz elementos inovadores, não apenas pelo tratamento dramático, como também pela inserção de elementos que deveriam fazer a ponte com a realidade social. Em Tudo Azul, conforme Luis Alberto Rocha Melo, o ambiente onírico dos musicais e do carnaval é atravessado por imagens realistas do morro e do ambiente do rádio carioca. Nestes pontos, duas sequências musicais são, particularmente, importantes. A apresentação de Lata d'Água pela cantora Marlene, na qual são inseridas imagens documentais dos morros cariocas; e coreografia dos capitalistas, donos da empresa onde Ananias trabalha, dando-lhe carta branca para que ele, na qualidade de poeta e compositor, utilize sua criatividade na busca da felicidade dos clientes. Em ambas, a lógica do carnaval (e da carnavalização), ou seja, a inversão das hierarquias sociais e a fusão de espaços e tempos, se funde à crítica da alienação e da exclusão social dos filmes realistas. O resultado final do filme, mesmo tendendo ao conformismo e ao apanágio das saídas individualistas, não deixa de ser um sintoma de um projeto de cinema que não negava as tensões sociais, mas não abria mão da comunicação fácil com o público a partir dos gêneros já consagrados, como a chanchada e o musical. O que nos importa sublinhar é que este projeto de representar a música popular e seus personagens como um microcosmo das tensões sociais marcou o cinema dos anos 1950, tal como pensado pelos realizadores ligados ao nacionalismo de esquerda. O filme Tudo Azul, portanto, faz parte de uma linhagem que se liga aos dois clássicos de Nelson Pereira dos Santos – Rio, 40 Graus e Rio, Zona Norte. Entretanto, Ananias de Tudo Azul ainda não é “Espirito Soares da Luz” de Rio, Zona Norte, embora o anunciasse, dialeticamente falando: ambos são compositores inéditos, sonham com estrelato do mundo do rádio, mas Ananias é branco e está mais para a classe média baixa do que para o proletariado da favela. Entretanto, a favela irrompe no filme de Fenelon, na já referida sequência de Lata D’Água, e de maneira mais improvável: como tomadas em locação, em cenário realista do morro e suas “marias”. Portanto, este filme deve ser analisado em si mesmo, como obra singular, mas também dentro de um projeto que foi animado por realizadores ideologicamente comprometidos com o nacionalismo de esquerda entre os anos 1940 e 1950, cujo projeto seria abortado pela afirmação do Cinema Novo como paradigma de cinema brasileiro politizado, independente e crítico. |
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Bibliografia | GOMES, Paulo Emilio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo, Paz e Terra, 1996.
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