ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Ficção histórica e memória: códigos narrativos de Netto perde a sua alma |
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Autor | Eliza Bachega Casadei |
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Resumo Expandido | Inserido no gênero da ficção histórica, o filme Netto perde a sua alma tem como característica central a projeção de um personagem e de um cenário histórico em uma trama imaginada, o que, enquanto efeito de sentido, “endossa os eventos imaginários com a concretude da realidade enquanto, ao mesmo tempo, endossa os eventos históricos com a ‘aura’ mágica peculiar à ficção” (WHITE, 1996: 18). Narrado em primeira pessoa, o filme conta a história do general Antônio de Sousa Netto, que lutou na Revolução Farroupilha e na Guerra do Paraguai, a beira da morte em um hospital, de onde relembra os seus principais feitos. Estando o personagem em um estado de perturbação de suas faculdades intelectuais, a trama é desenvolvida a partir de um registro duplo, em que se misturam os fatos históricos com o estado delirante do personagem.
Em sua tessitura narrativa, o filme engendra dois sistemas de código diversos para retratar cada um destes estados, alicerçando um conjunto de características estéticas específicas para os momentos de calçamento na referencialidade e um outro conjunto distinto para os momentos abertamente ficcionalizados. Há, ainda, momentos em que os dois sistemas de códigos se misturam, engendrando uma indistinção de estados, o que pode ser lido como uma crítica da verdade histórica em geral. O objetivo do presente trabalho é mapear cada um destes sistemas de código no filme, bem como os momentos em que essas fronteiras são transpostas, tendo em vista uma melhor compreensão das representações memorialísticas no cinema brasileiro e dos engendramentos estéticos utilizados para a apreensão fílmica do passado. Por código, iremos nos referir, tal como Barthes (1992), ao movimento de tessitura das vozes dentro da narrativa de um filme que forma uma rede de significação e remete a um inventário das formas narrativas compartilhadas (BARTHES, 1992). A partir do pressuposto de que o código é a instância pela qual as configurações significantes anteriores a um filme tornam-se implícitas na tessitura narrativa, remetendo à história das formas de representação (AUMONT, 1993), o trabalho visa verificar como são articuladas as repetições e as translações de sentido ligadas à representação histórica na composição fílmica, a partir do trabalho com os elementos estético-narrativos em Netto perde a sua alma. O estudo dos códigos neste filme remete à própria discussão acerca de como as representações fílmicas da história dizem respeito à manifestação de um sistema de códigos convencionais, uma espécie de gramática onipresente. Nesta lógica, o efeito de referencialidade é construído, justamente, a partir de uma série de procedimentos estilísticos que estão ancorados em regras culturais de representação. É neste sentido que “o artista realista não coloca de modo algum a ‘realidade’ na origem do seu discurso, mas apenas e sempre, por mais longe que se pretenda ir, um real já escrito, um código prospectivo, ao longo do qual nunca se avista mais do que uma ilimitada sucessão de cópias” (BARTHES, 1992, p. 173). Em Netto perde a sua alma, é possível distinguir uma tensão entre os sistemas de códigos que engendram um efeito de realidade (ligados à construção da diegese fílmica a partir de relações de indícios de analogia) e os que engendram um efeito de real (postos nos elementos que tentam conferir um referente empírico à imagem, articulando a ilusão de que o que o espectador vê é a própria realidade histórica tal como aconteceu), como distinguido por Aumont (1995). É justamente essa tensão que constrói a especificidade da representação memorialística em Netto perde a sua alma: trata-se de um filme que, ao mesmo tempo em que se utiliza da referencialidade do discurso histórico e de seus engendramentos próprios de ilusões de real, nega o seu estatuto a partir do engendramento de um outro sistema de códigos socialmente compartilhados que problematiza os aspectos ligados às representações fílmicas do passado. |
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Bibliografia | AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.
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