ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Chelsea Girls, Walden. 1966, 1969. Som direto e silêncio |
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Autor | Fernando Morais da Costa |
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Resumo Expandido | Chelsea Girls encontra-se, na obra cinematográfica de Andy Warhol, após uma série de experimentações célebres, como, por exemplo, Kiss (1963), Blow Job (1964), Empire (1964). Trata-se de uma experiência de Warhol com som direto, com a particularidade de propor para os espectadores uma divisão entre o que se escuta e o que foi deixado em silêncio. Ouvir o filme significa perceber que metade das imagens estão sonorizadas e a outra metade não. A partir do procedimento da tela dividida, há sempre a complementaridade entre as imagens que vemos enquanto ouvimos seus respectivos sons diretos e aquelas que assistimos silenciadas. Tal estrutura pode ser percebida desde o primeiro bloco de ação: Nico in kitchen. Nico aparece na metade direita da tela, e ouvimos o som direto da cozinha. A metade esquerda do quadro será preenchida por imagens que seguirão silenciadas. A movimentação do som de uma metade para a outra da tela produz o que o crítico Kenneth Baker chamou de “uma edição de fato”, dentro da obra de um cineasta famoso por se opor ao corte, por deixar que a ação, ou a não ação, transcorresse por duradouros blocos de imagens. Tal jogo entre o que está sonorizado versus o que se vê acompanhado de silêncio permanece até o fim, enquanto vemos os personagens retratados no mítico Chelsea Hotel onde vivem ou filmados na Factory de Warhol.
Walden: Diaries, Notes and Sketches conforma, na obra de Jonas Mekas, a ideia do diário em forma de filme, retomada, por exemplo, no posterior Reminiscences of a Journey to Lithuania (1972), sua terra natal. Em Walden, às imagens coletadas no decorrer de alguns anos estão unidos sons que parecem ter um discurso afinado ao delas, embora tenham sido gravados em tempos ou espaços diferentes. A colagem de sons relacionados ao que as imagens mostram, sem que sejam de fato seus sons diretos, estabelece uma espécie de ambiguidade, uma ideia imprecisa de pertencimento ao mesmo tempo em que há um deslocamento sutil entre a trilha sonora e o que vemos na tela. Ouvimos vento quando a cartela nos diz que as imagens retratam Nova Iorque no inverno; sons urbanos ao vermos a cidade, burburinho quando é mostrado um restaurante; a voz de Allan Ginsberg enquanto o vemos; uma valsa sobre um casamento, mas somos levados a perceber sempre que tais sons, ao mesmo tempo em que dialogam claramente com as imagens, não foram gravados necessariamente para acompanhá-las. Trata-se de eventos sonoros de origem diversa dos eventos que vemos na tela, o causa um misto de reconhecimento e estranhamento que, embora possa descrever um movimento pendular que varie entre o extremo de um ou de outro, jamais é de todo resolvido. Tal sutileza, como sendo a base de um cinema que mais sugere sensações, ao mostrar uma trajetória via blocos de ação delimitados, ao invés de buscar a identificação do espectador através de uma narrativa linear , está presente mesmo na relação do filme com o obra literária que lhe empresta o título. De Walden, de Henry David Thoreau, temos a própria ideia do diário, a colagem de sons em forma de cinema, enquanto no livro há a descrição sonora do ambiente à volta do lago no qual o escritor/narrador se isola da civilização, as imagens de um lago que pode ou não ser o próprio Walden. O que interessa aqui é a constatação das diferentes formas de unir sons às imagens, através da comparação das trilhas sonoras de filmes que não deixam de ser próximos, tanto cronologicamente quanto em seus contextos de produção, além de serem produções que estabeleciam, na segunda metade da década de 1960, relações incipientes com as tecnologias portáteis de gravação de som que levavam a novas possibilidades de registro nas filmagens em externas e em locações. Para Warhol, a inscrição do som direto de uma imagem vinha acompanhada do silenciamento de outra, vista concomitantemente. Para Mekas, as gravações sonoras feitas nos deslocamentos entre as cidades e o campo se uniam às imagens mantendo sempre um grau reconhecível de separação. |
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Bibliografia | BAKER, Kenneth. Film flashes back to Warhol's '60s. Rarely seen movie a near overdose of artist's voyeurism. San Francisco Chronicle, 11 de abril de 2002. Disponível em http://www.sfgate.com/cgi-bin/article.cgi?f=/c/a/2002/04/11/DD176261.DTL
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