ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Dogville: entre o audível e o invisível |
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Autor | Filipe Barros Beltrão |
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Resumo Expandido | A relação fundamental entre som e imagem, constitui um dos princípios que norteiam o cinema. A presença efetiva no som no cinema (a partir de 1927) ajudou a consolidar (COSTA, 2008) o pensamento sobre a relação som-imagem. Manzano (2003) fundamenta que existem duas relações entre esses dois aspectos. A primeira acontece no nível mais básico “no qual o som associado à imagem passa a ser entendido dentro de uma nova relação” (MANZANO, 2003, p.112). Neste novo contexto não faz mais sentido pensar o som separadamente. A segunda relação acontece de uma maneira mais complexa e faz referência “ao conjunto ou ‘complexo’ sonoro que se forma num filme, compreendendo vozes, falas, músicas, ruídos, etc. e que formam um todo indissociável” (Ibid., p.112). Chion (2008) aborda o contrato audiovisual como um dos principais elementos do filme. Segundo o autor define, o contrato audiovisual é “uma ilusão que se encontra, para iniciar, no centro da mais importante relação entre som e imagem [...]” (Chion, 2008, p.08). Desde a sua chegada, o som gerou discussões contundentes sobre sua aplicação e suas perspectivas criativas. Em 1928, os russos Eisenstein, Pudovkin e Alexandrov (2002, p.225-227) publicaram a Declaração sobre o futuro do cinema sonoro que lança uma série de provocações sobre os rumos possíveis para o cinema. Os russos defendiam o uso “polifônico” do som, onde a montagem sonora não necessitasse seguir a uma lógica “naturalista”. As ideias lançadas nesta declaração dos cineastas russos estimularam o aprofundamento do uso do som na construção fílmica. A partir da década de 70, com a difusão do sound design (SONNENSCHEIN, 2001), o cinema vem dando cada vez mais destaque ao aspecto sonoro do filme. Castanheira (2009) contextualiza esse momento: "o uso desses novos elementos tecnológicos encontrou respaldo no público que passou a considerar normal e até mesmo imprescindível o uso cada vez maior do som como recurso dramático. Os sentidos são, assim, educados." (CASTANHEIRA, 2009, p.103). O desenho de som do filme Dogville (Lars Von Trier, 2003) nos possibilita refletir sobre a relação som-imagem de uma maneira peculiar. O filme foi todo rodado em um galpão e o cenário é composto por algumas marcações no chão (no formato de planta baixa) que delimitam as ruas; as casas e o nome dos moradores; objetos; lugares e animais presentes na pequena cidade de Dogville. A direção de arte do filme insere apenas alguns objetos de cena que caracterizam os ambientes internos das casas (cadeiras, cama, rádio, etc.) e o ambiente externo (banco, rochas, etc.) que destoam do cenário plano das marcações no chão. A incompletude observada nos elementos visuais do cenário não é acompanhada pela trilha sonora. Os efeitos sonoros apresentam uma vasta quantidade de informações e causam um efeito estético inusitado por não haver um correspondente imagético. Ouvimos sons dos animais do local (do latido do cachorro, dos pássaros), dos movimentos dos personagens (abrindo a porta, arando o campo), sem no entanto visualizarmos nenhum desses elementos. A sincronia é utilizada em alguns casos quando a mímica de um movimento que envolve um objeto, pode ser ouvida como se de fato ele estivesse lá. Desta maneira, podemos abordar fenômenos que evidenciam a escuta (audível) e suprime o visível (invisível). Esta supressão nos aspectos visuais acarretará em algumas funções para os efeitos sonoros neste filme: 1) demarcar a passagem do tempo, sons do dia e da noite; 2) ambientar o filme, indicando o espaço onde o filme se passa, os sons característicos; 3) auxiliar na imersão do espectador e na compreensão dos espaços sonoros e visuais; 4) sincronizar alguns movimentos dos personagens que simulam ações com objetos inexistentes. Dogville nos apresenta uma atraente contradição, onde a ausência de alguns elementos visuais, impulsiona novas camadas de compreensão e a explicitação de algumas características e funções dos efeito sonoros. |
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Bibliografia | CASTANHEIRA, José Cláudio Siqueira. A presença do som: proposta para uma investigação material da experiência sonora no cinema. In: Revista Contemporânea (UERJ), no 06, 2006, p.89-106.
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