ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | A música de Jean Wiener para Robert Bresson: crítica do contemporâneo? |
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Autor | Luíza Beatriz Amorim Melo Alvim |
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Resumo Expandido | A partir do seu quarto longa-metragem, Um condenado à morte escapou (1956), Robert Bresson utilizou principalmente o repertório clássico pré-existente (do Barroco ao início do Romantismo) como trilha musical de seus filmes. No entanto, observamos que a música do mundo contemporâneo não ficou ausente e houve uma constante colaboração do compositor Jean Wiener nos filmes A grande testemunha (1966), Mouchette (1967) e Uma mulher doce (1969).
Com efeito, Bresson não ficou alheio ao seu tempo. Por sua vez, o prolífico Wiener –responsável por trilhas de mais de 300 filmes, inclusive, para o curta-metragem de estréia de Bresson, em 1934– era bastante conhecido pelo ecletismo, tendo sido um dos propagadores do jazz na França. Tanto em A grande testemunha como em Mouchette, enquanto as peças do repertório clássico ficam reservadas ao espaço extradiegético, a música de Wiener é toda diegética. Já em Uma mulher doce, há uma alternância entre elas dentro da própria diegese. Uma alternância entre o clássico e o popular, tal como era a personalidade do próprio Wiener. Em A grande testemunha, há três canções pop yéyé (nome como eram conhecidas na época), com letras de Jean Dréjac. Uma delas foi um hit da cantora France Gall, Je me marie en blanc (Eu me caso de branco), lançada também num compacto da cantora. No filme, as canções vêm do rádio do personagem Gérard, o chefe da “turma do mal” do vilarejo. Em entrevista, Bresson afirmou que pretendeu mostrá-lo “incarnando a imbecilidade (...) que invade neste momento uma raça de jovens” (BABY,1965), mas não deixou de conferir ambiguidade ao personagem ao colocá-lo como solista de música religiosa na missa. As letras das canções fazem referência principalmente a Marie, moça do vilarejo que se envolve com o rapaz. A música diegética contemporânea do filme está associada, como observa Piva (2004), não só a Gérard, mas à estupidez em geral, caso do vagabundo Arnold. Assim, quando este comemora no bar o recebimento de uma herança, ouvimos três temas de Wiener saídos de uma juke-box. A violência permeia toda a sequência: os morteiros jogados pelos comparsas de Gérard; a conversa tensa entre Marie e sua mãe com a música de fundo; o quebra-quebra do bar por Gérard; a recusa do jovem em dançar com Marie na música lenta e uma alusão à futura prostituição da garota. Em Mouchette, o aspecto de crítica é ainda mais ambíguo pois a música de Wiener está no único momento de felicidade para a personagem-título: a sequência do parque de diversões, em especial, o momento em que Mouchette anda no brinquedo auto-pista ao som de um rock, enquanto flerta com um rapaz – flerte semeado também da violência dos choques dos carros (JACOB,1967). Há, ao todo, quatro faixas que parecem ser emitidas ao acaso de várias fontes no parque (HANLON,1986), mas que estão associadas a uma determinado situação: a Marche sobre os movimentos mecânicos de Mouchette lavando os pratos no bar; o caráter infantil evocado por Manège (Carrossel), quando a menina se senta, submissa, ao lado do pai; o rock e a esperança do amor; a Polka dissonante quando Mouchette, após receber um tapa do pai, volta para junto dele; a Valsa-Musette e seu caráter dançante, enquanto o casal Louisa e Arsène rodopia num brinquedo. Nessa última situação, há uma sobreposição do rock e da valsa, o que dá conta dos sentimentos de diversos personagens: a evocação da felicidade negada a Mouchette; o idílio entre Louisa e Arsène; o ciúme, tanto do guarda Mathieu quanto de Mouchette em relação ao casal. Em Uma mulher doce, o aspecto de crítica da modernidade volta a se fazer presente. Com efeito, enquanto a música clássica como um todo está ligada ao personagem da mulher, com quem o espectador tende a simpatizar, o rock e o bolero de Wiener são ouvidos sobre as imagens do marido manipulador. Por outro lado, longe de uma submissão pura, é a mulher que, tal qual uma disk-jockey, maneja a vitrola e faz com que se alternem os discos e os estilos de música. |
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Bibliografia | BABY, Yvonne. Pas de parole, pas de symbole (entrevista com Bresson). Le monde, 26 mai 1965.
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