ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Entre afetos e entre-lugares: a errância no cinema contemporâneo |
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Autor | Raquel do Monte Silva |
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Resumo Expandido | Há algumas viagens que nos escapam incessantemente. Cada novo passo alcançado aponta para o que é fugidio e nos coloca em novos mundos, apresentando-nos olhares diferentes, sensações estranhas, inimagináveis até aquele instante. Quem estava na viagem? Quando ela ocorreu? Qual o destino final? Tudo isso pouco importa, já que nas cartografias afetivas traçadas há uma espécie de latência que convoca à epifania. É assim que nos deparamos, por exemplo, com viajantes como Travis, de Paris, Texas (1984), que entre paisagens, reaproximações e desencontros cruza conosco e nos mobiliza a pensar o quão frágil é a nossa memória e a nossa relação com o mundo. Assim, pensar a representação dos sujeitos diaspóricos contemporâneos na produção cinematográfica é tentar lançar olhares sobre o processo de ressignificação existencial e afetiva que reconstrói novas possibilidades de estar no mundo. No processo de trânsito existencial vivido por personagens fílmicos o que nos interessa é lançar alguma espécie de percepção acerca de como o processo construído pelas narrativas reverberam esteticamente o jogo especular do movimento interno e do trajeto empreendido pelos inúmeros Travis que o cinema contemporâneo reduplicou. É na polifonia das paisagens trans-subjetivas que se encontram inúmeras fraturas existenciais, entre-lugares afectivos que configuram desejos e anseios. É assim que percorremos, por exemplo, as estradas de José Renato, em Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes (2010). É através do olhar desamparado do geólogo que entramos em contato com suas fraturas e com sua fragilidade diante do luto que o convida à busca. Nas sequências iniciais, a paisagem construída pelo protagonista com categorizações aristotélicas, com suas percepções cartesianas de topos esvaziam a potencialidade, a força bruta da imagem do homem ante o mundo natural sem mediação. No entanto, a transitoriedade das paisagens geográficas o recoloca novamente numa outra dimensão do mapeamento, no qual a imprevisibilidade ressignifica a sua experiência no mundo e aponta para uma espécie de imagem singular que a todo tempo se atualiza, alterando ela mesma sua forma de existência. Uma das maneiras que o discurso fílmico substantiva o jogo fluído de olhares, experiências e diálogos é através da errância. Assim pensar o movimento (a viagem, o caminhar) através da representação dos personagens em confluência com a relação que estes estabelecem com as dimensões do espaço e tempo, possibilita-nos perceber a errância como uma tentativa de desenraizar-se de si, uma espécie de auto-exílio que os coloca nos desertos da própria existência. Os itinerários percorridos sintetizam para estes sujeitos uma tentativa de adjetivação dos avatares do desejo e ao mesmo tempo a reconstrução de fragmentos da sua própria trajetória existencial. Na experiência sensível do deslocamento a transitoriedade e os processos de ordenamento e caos ligados à relação com o espaço vivido colaboram para uma compreensão do fenômeno a partir de um estar no mundo que abandona as metas, que investe no caminho e nos afetos e que se nutre da sua própria mutabilidade, que busca sempre algo, indefinidamente, que se interessa pelos fluxos, pelo fugidio. Diante do exposto interessa-nos compreender a seguinte questão: Como a experiência da errância no cinema contemporâneo veicula esteticamente entre-lugares afetivos que especularmente constituem uma forma de existência e um perceber-se que apontam para a representação da relação do Eu com o mundo sensível? Para tanto, utilizaremos como ponto de partida para as nossas reflexões a abordagem fenomenológica, sobretudo, o pensamento de Merleau-Ponty e as considerações deleuzianas sobre nomadismo, afetos e perceptos. Ainda interessa-nos a Teoria da Comunicação Metapórica, que nos dizeres de Ciro Marcondes Filho, vincula-se a uma investigação que se dá no processo, nos fluxos e que se apresenta enquanto fenômeno no devir. |
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Bibliografia | DELEUZE, Gilles. A Imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense. 1995.
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