ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Documentário de arquivos e método arqueológico |
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Autor | Anita Leandro |
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Resumo Expandido | Um dos debates mais acalorados sobre o documentário que marcaram o final do século XX refere-se à pertinência, ou não, da retomada das imagens de arquivo na montagem. Em 1985, Lanzmann lançava um filme de quase dez horas de duração sobre o genocídio dos judeus, Shoah, sem utilizar nenhuma imagem de arquivo. Seu argumento era de que o extermínio seria algo irrepresentável, que as imagens de arquivo não ajudariam a compreender o incompreensível, restando, então, ao cineasta, registrar o testemunho dos sobreviventes. Seu filme é, na verdade, um esforço de constituição de um arquivo de outra natureza, um arquivo vivo, o único capaz, segundo ele, de comunicar o incomunicável. Três anos depois, numa posição diametralmente oposta, Godard começaria um filme de cerca de cinco horas de duração, construído quase que inteiramente à base de arquivos e propondo, na forma e no conteúdo, uma discussão sobre o método histórico. Com Atenta à materialidade dos documentos reciclados, a montagem interrompe o fluxo das imagens, repete os planos, reenquadra o fotograma, altera a velocidade do movimento, avança, recua, sobrepõe, justapõe, faz incrustações. A montagem permite comparar, ver de novo, ver de perto e mais demoradamente. Ela procede a uma decomposição analítica dos documentos, muito próxima do trabalho do historiador. É, no mínimo, instigante, a coincidência entre os procedimentos de montagem praticados por um certo tipo de documentário pós-1968 e as categorias históricas com as quais trabalha Michel Foucault nessa mesma época: o historiador organiza o documento, ele “faz decupagens, distribui, ordena, reparte em níveis, estabelece séries, distingue o que é pertinente do que não é, localiza elementos, define unidades, descreve relações” (FOUCAULT, 1969). Sua arqueologia, que questiona a sucessão absoluta do discurso da história, é contemporânea de um novo documentário de montagem que emergia naquele momento. Os anos 2000 viram o reconhecimento da obra de grandes cineastas de arquivo de diferentes países, como Harun Farocki (Alemanha), Sergei Loznitza (Rússia), Yervant Gianikean e Angela Ricci Lucci (Itália), Walid Raad (Líbia), todos eles fortemente interessados pela questão histórica. No Brasil, poderíamos evocar alguns trabalhos recentes de grande importância, embora isolados no contexto da obra de seus realizadores, como Serras da desordem, de Andrea Tonacci, Pancinema permanente, de Carlos Nader, ou Santiago, de João Salles. Esses documentaristas têm em comum a vinculação do tratamento dos arquivos a uma atualização do passado, a uma invenção da memória. As imagens são por eles abordadas como um indício material do passado, da mesma forma que os documentos pelo historiador (GINZBURG, 2009). Hoje, um certo documentário de montagem se abstém da atribuição de um discurso aos arquivos e, em vez disso, assinala uma historicidade das imagens, agora tratadas em sua materialidade documental: elas foram feitas por alguém, num contexto histórico determinado. |
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Bibliografia | DIDI-HUBERMAN, G. Atlas ou le gai savoir inquiet. L’oeil de l’histoire, 3. Paris: Editions de Minuit, 2011.
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