ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Cairo 678- Micropolíticas, transporte e condição feminina |
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Autor | Ieda Tucherman |
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Resumo Expandido | Cairo 678, filme egípcio de 2010, o primeiro filme de Mohamed Diab, chega- nos nos ventos da Primavera Árabe e das manifestações da Praça Tahiz, tornada emblemática para um Ocidente que parece ter tido então seu interesse despertado por este lado do mundo, até então associado aos conflitos do Oriente Médio e à suspeita quase paranoica de terrorismo no mundo muçulmano.
Seu diretor, representante de uma nova geração de cineastas formados em cinema em Nova York, enfoca em seu filme, do qual também é o roteirista, histórias reais ocorridas com mulheres egípcias, evocando também este momento de mudanças que o Egito está vivendo política e culturalmente, assim como as incertezas dos resultados finais. A queda do ditador Hosni Mubarak trouxe consigo um conjunto de perguntas certamente ainda não respondidas, mas pôs em cena, na Praça Tahiz, o que Foucault chamou de novos sujeitos da história, mulheres, estudantes, trabalhadores, desempregados, e outros, não identificados com as figuras tradicionais da política, classes, partidos e sindicatos. Certamente as manifestações tiveram a presença de partidos e sindicatos, no entanto, estes foram parte da população que organizou suas vigílias, o bom uso de seus celulares e um movimento midiático, explorando de maneira inovadora as redes sociais e, por decorrência da pressão destas, a mídia tradicional. Numa primeira visada, Cairo 678, apresentando o ônibus como contexto e personagem, é um filme de denúncia da opressão feminina no seu país, representada na figura dos diferentes tipos de assédio sexual sofridos pelas três personagens centrais, Faysa, Seba e Nelly, e constatado como uma prática disseminada por homens que tornam quase impossível fazer qualquer denúncia uma vez que para a maior parte daquela sociedade o crime é legítimo. Isto acontece na delegacia onde é possível dar queixa de agressão, mas não de assédio, no trabalho de telemarketing onde um supervisor desautoriza reações das empregadas diante das cantadas canalhas dos clientes, na reação das famílias ligadas a uma das vítimas (seus pais e os pais do noivo, cuja reputação ficaria arruinada) e até na reação do marido médico de Seba que não consegue voltar para a casa porque não quer lembrar o estupro sofrido por ela. Assim a história mescla histórias diferentes de assédio, personagens pertencentes a classes diferentes, com diversos níveis de instrução. Duas coisas as unem: a percepção do completo desamparo e o inconformismo diante das situações o que as leva a atitudes consideradas extremas, tais como o uso de estiletes para desencorajar os “donjuans” dos coletivos, e a presença de uma velada culpa internalizada, que sempre faz das vítimas destes casos as responsáveis pelas provocações levianas. Esta contradição interna, necessária para a compreensão da cultura egípcia impede que este seja apenas um filme denúncia. Do mesmo modo Diab evita transformar todo o gênero masculino egípcio em algoz. Se alguns são cruéis, ignorantes e fracos outros se colocam ao lado delas, especialmente o noivo de Nelly e o policial responsável pela investigação do caso dos estiletes. Baseando-se em histórias reais, Cairo 678 realiza uma curiosa mistura de imagens próprias de documentários e outras associadas às produções ficcionais, o que o qualifica como vinculado à estética contemporânea que tem neste esboroamento de fronteiras sua forma mais comum. Ao mesmo tempo, e usufruindo desta mistura, vemos atravessar o filme disposições sociológicas e urbanísticas, seja na denúncia do descaso dos governos com o transporte público (como diz um personagem: “tantos ônibus... um fósforo acaba com tudo”) ou na apresentação dos argumentos que conhecemos de Canetti, Le Bom e Freud quando se referem ao comportamento das massas por contraste com o que alguém faria se estivesse sozinho. Neste filme a massa é o conjunto de homens presentes nos ônibus, nas ruas, nos estádios de futebol e simbolicamente na opressão das mulheres. |
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Bibliografia | CAIAFA, J. Aventura das Cidades, Rio de Janeiro, FJV, 2007.
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