ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Ficção, história e identidade em Lost Zweig (Sylvio Back, 2002) |
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Autor | Rosane Kaminski |
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Resumo Expandido | Em 1938, o escritor alemão-judeu Alfred Doblin publicou o artigo O romance histórico e nós, apontando diferenças e semelhanças entre o romance histórico e o trabalho do historiador. Doblin, assim como Stefan Zweig, foi um escritor em língua alemã que precisou abandonar a Europa em tempos de ascensão do nazismo. Inicio esta reflexão acerca do filme ficcional Lost Zweig (Sylvio Back, 2002) resgatando dois pontos do artigo de Doblin, articulando sua argumentação à maneira como Back constrói a sua obra cinematográfica.
O primeiro ponto refere-se às relações entre o trabalho do escritor (ou cineasta) e o do historiador. Ainda que o texto histórico não possa ser visto como “transmissão sobre o que efetivamente aconteceu”, e que os acontecimentos sejam relatados de forma diferente entre um historiador e outro, Doblin diz que “o historiador persegue um obstinado ideal de verdade”, enquanto o romance está no campo da ficção. Todavia, “todo romance que é de boa qualidade é um romance histórico”. Num filme biográfico e pautado em documentos, como Lost Zweig, a estruturação em narrativa é por si só uma forma de ficcionalizar a realidade e construir um argumento sobre o assunto tratado. O segundo ponto é que Doblin coloca em evidência o papel do artista comprometido com a realidade, argumentando que a arte coopera contra a brutalização das pessoas e em favor da afirmação da individualidade. O cineasta Sylvio Back privilegia, em suas obras, as relações entre cinema e história. Para ele, fazer filmes é uma forma de se inserir nas discussões políticas e estéticas do seu tempo. Lost Zweig, baseado no livro Morte no Paraíso (Alberto Dines, 1981), foi finalizado em 2002, quando Back completava quatro décadas como diretor. Sua produção demarcou uma fase madura na sua carreira e, ao mesmo tempo, um período em que Back expressava, em textos na Folha de São Paulo, seus ressentimentos frente ao cenário cinematográfico brasileiro de então. Em 2001 ele dizia ver, na produção nacional recente, a ausência de dúvidas, a “isenção”, o “descompromisso político-histórico” e, inclusive, estético. Pouco depois, lançava o Lost Zweig, enfatizando o suicídio conjunto do escritor e sua esposa Lotte, ocorrido em Petrópolis em 1942. Expatriado devido à perseguição dos judeus pelos nazistas, Stefan Zweig refugiara-se no Brasil e, no filme, aparece mergulhado em suas memórias, incomodado pelo fato de ter fugido de sua terra natal e deixado para trás seus amigos, bem como pelas pressões de Vargas sobre sua escrita. Organizado em dois blocos narrativos com características distintas, o filme possui uma assepsia estética que lhe confere um tom solene e se articula poeticamente à forma como Back representa a angústia identitária do escritor em seu exílio no Brasil. Figura, além disso, a identificação do cineasta com o lugar do escritor dentro de uma rede de poderes que lhe exigem uma distorção da própria obra em troca de favores – coerente com aquelas queixas publicadas por Back nos jornais sobre a “isenção” do cinema brasileiro. Já nos anos 1970, Back sentia-se tensionado entre a criação artística e as coerções políticas, até o ponto de formalizar um discurso a favor de um cinema que não se dobrasse frente às verdades cristalizadas pela história oficial e visões dogmáticas. Entretanto, a elaboração do personagem central no filme, confrontado às demais obras de Back, é paradoxal, pois Zweig surge homenageado, mitificado pelo cineasta, negando, em partes, seu discurso contrário aos filmes hagiográficos. Apesar do ato suicida, Zweig surge como um herói, tanto remetendo aos que “se elevam acima da condição humana”, quanto ao significado que Hannah Arendt dá ao termo, ou seja, o de uma distinção da qual todo homem livre seria capaz, conquanto agisse e falasse na cena pública. Esse heroísmo surge asséptico em Lost Zweig e expressa a admiração e identificação de Back pelos valores de liberdade que o escritor defendia, bem como por seu último ato público: a morte. |
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Bibliografia | ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
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