ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Que Rei Sou Eu?: a exposição das fraturas no projeto de modernidade brasileiro |
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Autor | Dilma Beatriz Rocha Juliano |
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Resumo Expandido | Entrelaçadas à vida social, as telenovelas tanto produzem imagens capazes de levar à identificação, por colocarem diante dos olhos cenas que sensorialmente ativam a memória individual e projetam sujeitos multifacetados, quanto são capazes de refuncionalizar ideias, percepções, desejos e necessidades na direção da construção de um projeto de sujeito-consumidor.
Diferente de refletir sobre a televisão como um fluxo indiferenciado naquilo que veicula, propõe-se individualizar a história da ficção na TV em suas imagens alegóricas do Brasil, tratando de debater uma telenovela Que Rei Sou Eu? (Rede Globo, 1989). Repleta de referências aos jogos políticos de uma sociedade em trânsito, em Que Rei Sou Eu? as relações estabelecidas em torno do poder e das estratégias econômicas não são mostradas como trágicas desigualdades sociais, como seria esperado pelo estilo capa-espada, mas aparecem como jogos que tecem um país pela farsa. É pelo risível que esta narrativa nos faz reconhecer uma história sociológica moderna que, em retrospectiva, desarmou esperanças utópicas de progresso libertador e de civilização como as maiores garantias de justiça social que as sociedades ocidentais acalentaram desde a Revolução Francesa - época na qual é ambientada a telenovela (1786). Nesse sentido, pode-se afirmar essa narrativa audiovisual como uma autorreflexão sobre a modernidade brasileira, e para desenvolver essa ideia serão analisados o título da telenovela e os personagens Ravengar, o bruxo ou a eminência parda do reino de Avilan, e Corcoran, o bobo da corte ou o sábio dos plebeus. A escolha do momento revolucionário francês como ponto de partida para as analogias com o momento político brasileiro repousa no fato de serem ambos – ficção e realidade - momentos de impasse com uma exigência de posicionamento dos vários segmentos da sociedade. No caso brasileiro, as incertezas resultavam do fim da ditadura militar que marcava um período autocrático em relação às liberdades individuais e coletivas. Se por um lado caíra a máscara da unidade de grande Nação, por outro lado, como pensar a “cara” desse país que só era reconhecido pela ilusão integradora? Assim, na pergunta título da telenovela, ecoa a questão maior de toda a sociedade brasileira: que país é esse? A referência à revolução como ponto de partida alegórico de transições aponta também para uma avaliação de dois séculos de fomento e implantação da ideia progressista como elemento modernizante e libertador da humanidade. O progresso, pautados pelas ciências, moveu a humanidade apoiado em um projeto tecnocrático de nação, no trabalho dignificante de esforço coletivo e nas ideologias “universais” de desenvolvimento humano. Ravengar se situa na ambivalência entre uma magia orgânica e as ciências racionalistas modernas, das quais ele detém um conhecimento. Longe da contraposição cartesiana (racionalidade versus magia), Ravengar é um personagem alegórico que encarna a passagem de um presente tecnológico ao mesmo tempo que nos remonta a um passado de ligação orgânica com a natureza. Ele é, por definição, razão e magia, na dialética da modernidade. Corcoran, personagem que circula entre pobres e ricos, também se mostra multifacetado em seu vai e vem entre a taberna e o palácio, sugerindo analogias e diferenças entre os extremos. Embora sua ambivalência, ou fluidez, pareça garantir-lhe a liberdade de circular entre ‘dois’ mundos, num ele se mostra relaxado, pela intimidade cultural de pobre, e, no outro, seus passos são calculados – o cálculo exigido para a permanência no centro do poder. É preciso frisar, ainda, que a telenovela Que Rei Sou Eu?, mesmo servindo para mostrar o fim das crenças modernas – como fraturas expostas –, retoma índices culturais favorecedores da vitória dos dominantes, numa sociedade ainda desvalida de lideranças políticas legitimadas pelos interesses da maioria da população, haja vista a vitória nas urnas naquele ano. |
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Bibliografia | BATAILLE, Georges. O erotismo. Porto Alegre: L&PM, 1987.
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