ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | O vazio da história e os lugares de memória em Los Rubios, de Abertina Carri |
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Autor | Mônica Brincalepe Campo |
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Resumo Expandido | O filme Los Rubios, de Albertina Carri, realizado em 2003, é uma das grandes obras produzidas no nuevo cine argentino (NCA), iniciado desde meados dos anos 1990. O tema central é a ausência dos pais da diretora, sequestrados e desaparecidos em meio ao regime militar argentino quando ela contava com três anos de idade, em 1977. Roberto Carri (sociólogo e jornalista) e Ana María Caruso (letras) eram militantes do peronismo revolucionário e conhecidos por suas atividades acadêmicas. Deixaram três filhas, sendo Albertina a caçula.
Para discutir o vazio provocado com o desaparecimento dos pais as opções estilísticas da diretora não são convencionais. Carri ficcionaliza a experiência vivenciada utilizando playmobils, perucas loiras e uma atriz, Analía Couceyro, a interpreta-la, entre outros recursos. No filme há as cabeças falantes das entrevistas de militantes contemporâneos aos pai, pesquisa iconográfica (fotografias) e entrevistas com os vizinhos no bairro em que moravam quando foram sequestrados. Os relatos obtidos pertencem ao passado, são projeções que se colocam sobre o presente (Noriega, 2009), e não a satisfazem. Carri e sua equipe também aparecem em cena discutindo encaminhamentos, tornando a reflexão parte integrante da narrativa. Em uma das sequências a equipe lê e discute a justificativa de recusa de uma agência de fomento para o financiamento do filme. Após a discussão, deixam claro que os critérios solicitados pela agência não são a proposta do filme, mas aquela de outra geração e não a da diretora e de sua equipe. Albertina Carri questiona o lugar em que se encontra e a maneira como as memórias sobre os ausentes têm sido articuladas para racionalizar a experiência histórica. Ela explicita que apesar de tudo não ocorre o preenchimento do vazio, pois tais tentativas discursivas não conseguem lidar com as lacunas. O vazio que ela sente não fica preenchido com os discursos convencionais. Pode-se dizer que o filme de Carri questiona os lugares de memória consagrados em Pierre Nora por não se satisfazer com a operação historiográfica a produzir a história. Em Nora a operação historiográfica é capaz de submeter a memória ao compreende-la na história. Sendo assim, em Los Rubios a representação realizada sobre a memória da ausência dos pais é menos aristotélica e mais proustiana, pois sensorial, portanto, distante da operação apregoada por Nora. Em Carri, a racionalidade consciente não é bem sucedida em suplantar a ausência ou a sensação de desamparo, o grito (que é encenado). Los Rúbios é uma atualização do passado no presente, uma necessidade de sua diretora. É construção discursiva, ou seja, outra narrativa que não irá nunca preencher as lacunas deixadas porque se faz respeitando a permanente existência das fraturas da história. A história pode ser composta, construída, a pesquisa científica é possível, entretanto, esta operação é fraturada e deve aprender a lidar com as lacunas próprias às memórias, como já indicou Paul Ricouer. Se a história e a memória forem opostas não se conseguirá perceber ou congregar a riqueza inerente às percepções espontâneas, (in)voluntárias, (in)conscientes que afloram para o permanente refletir da condição humana. |
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Bibliografia | AGUILAR, Gonzalo. Otros mundos. Ensayos sobre el nuevo cine argentino. Buenos Aires, Santiago Arcos (ed.), 2006.
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