ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Olhares indisciplinares sobre a história: I Wish I Knew (Jia Zhang-ke, 2010) e Diário de uma Busca (Flávia Castro, 2010) |
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Autor | Carolin Overhoff Ferreira |
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Resumo Expandido | O cinema como lugar de pensamento heterodoxo possui uma longa tradição. Desde o cinema mudo, filmes exploram e transgridam as fronteiras disciplinares, expondo a construção de seus métodos através de estéticas de dissenso. Nas últimas duas décadas, este fenômeno que se desdobra sobre a produção de conhecimento nas ciências humanas em disciplinas como, antropologia, história, sociologia, história da arte, entre outras, e que apresenta diálogos com as mais diversas artes tem sido discutido através do conceito ensaio fílmico ou filme-ensaio. Partindo de uma discussão deste conceito, a presente comunicação pretende substitui-lo pelo conceito do filme indisciplinar, inspirado no neologismo do filósofo francês Jacques Rancière (2006). Para evidenciá-lo e demonstrar seu potencial de proporcionar experiências e resistir à normas ou consensos disciplinares, comparará dois filmes contemporâneos: I Wish I Knew (Jia Zhang-ke, 2010) e Diário de uma Busca (Flávia Castro, 2010). Ao deixar as questões chaves do debate sobre o filme-ensaio para trás, o filme indisciplinar como instrumento analítico coloca outras em pauta: 1) a revelação da construção de ficções conforme uma percepção do mundo com sendo heterogêneo (marcado pela identidade de contrários como, por exemplo, a co-presença de temporalidades, a identidade de alto e baixo, a razão dos factos e da razão das ficções etc.), 2) a dimensão política da arte através da produção de dissenso estético e 3) a recepção ao mesmo tempo cognitiva e sensível, ativa e passiva. Estas três características serão estudadas nos filmes supracitados. Enquanto Jia Zhang-ke lida com a história atribulada chinesa do século vinte através de um retrato de sua maior cidade, Shanghai, Flávia Castro recupera a história de seu pai, um militante político que foi treinado no Chile e na Argentina para realizar a luta armada no Brasil, mas teve que se exilar, primeiro na França e depois na Venezuela. Em ambos os casos, as memórias de pessoas que conviveram com a repressão política – por um lado seguindo a invasão de Shanghai em 1948 pelas tropas comunistas de Mao Tse-tung e por outro a ditadura militar no Brasil pós-golpe 1964 – são utilizados para a recuperação, mas também a reconfiguração de um ente investido de afeto – seja uma cidade ou uma pessoa. O cineasta chinês utiliza entrevistas, gravações de cenas e pessoas na rua e footage de outros filmes (desde Michelangelo Antonioni até Wong Kar-Wai) para fazer sentir e pensar Shanghai como uma cidade na qual se sente a co-presença de temporalidades em cada plano, que coloca em cheque a visão oficial de uma metrópoles virada para um futuro próspero e de progresso. Também a cineasta brasileira utiliza estes elementos para reconstruir a complexidade de uma história pessoal cuja importância para a atualidade, nomeadamente o debate acerca da lei de anistia, passa pela mesma presença do passado patente em I Wish I Knew. |
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Bibliografia | Rancière, Jacques. O Dissenso. In: Newton Bignotto, Adauto Novaes (eds.). A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
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