ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | A montagem como gesto político no documentário ensaístico |
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Autor | Renata Fonseca Catharino |
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Resumo Expandido | Essa proposta parte de uma pesquisa atualmente em curso, sobre a potência política do ensaio fílmico. Aliamo-nos, aqui, à ideia de Jacques Rancière, segundo a qual a tarefa política da arte não se restringe a transmitir mensagens ou representar ideologias, referindo-se, antes, à possibilidade das obras intervirem na organização de um espaço-tempo comum, na partilha do sensível. E dentre os modos possíveis de intervenção, destacamos os que se inserem em “um regime de indeterminação das identidades, de deslegitimação das posições de palavras e de desregulação das partilhas do espaço e do tempo” (RANCIÈRE, 2005).
No cinema, entendemos que essa desregulação pode ser promovida por práticas variadas, que sempre implicam um desvio de narrativas esquemáticas, compromissadas com a transmissão de verdades e sentidos fechados. Dentre elas estão aquelas citadas na proposta geral desse seminário: intervenção subjetiva do realizador, apropriação de outras imagens, encenação ou reencenação. Optamos pelo foco em uma operação propriamente cinematográfica, a montagem, que atravessa essas três práticas de desvio. Sabemos que as abordagens ensaísticas da montagem não passam mais pelo ideal de transparência ou, simplesmente, pelo choque dialético. E nesse sentido, dois autores que pensaram a montagem dão pistas para o estudo que pretendemos fazer. Agamben, em dois textos breves, O cinema de Guy Débord (AGAMBEN, 1998) e Notes on gesture (AGAMBEN, 2000), levanta questões diretamente ligadas à retomada das imagens de arquivo. No primeiro texto, nos interessa sua análise dos mecanismos de repetição e interrupção (pausa, congelamento) utilizados na montagem cinematográfica. No segundo, nos chama atenção à ideia da imagem como gesto, de uma imagem que se coloca como medialidade pura, “meios sem fim”, e que assim parece escapar tanto à ditadura dos fatos como à descrença cínica que toma as imagens como essencialmente inverdadeiras. Outra noção que podemos relacionar à montagem vem do livro de Elena del Río (DEL RÍO, 2008). A autora aponta para a existência de imagens afetivo-performativas; imagens que guardam potencialidades disruptivas, que desestabilizam a narrativa tradicional ao se inscreverem em uma lógica do afeto, da intensidade, em processos de transformação, de criação, de devir. Talvez seja esse o estatuto da imagem do ensaio fílmico. Analisaremos três obras cinematográficas ensaísticas: Videogramas de uma revolução (Farocki e Ujica, 1992), Os catadores e a catadora (Varda, 2000) e Serras da desordem (Tonacci, 2006). As práticas citadas acima encontram-se em cada um desses filmes: a inflexão subjetiva é um dos marcos mais fortes da obra de Varda, a apropriação de imagens é a forma mesma de composição do filme de Farocki e Ujica e a reencenação é a força do filme de Tonacci. Entretanto, essas obras só garantem sua potência (política) – ou seja, escapam aos maneirismos estéticos vazios, aos cinismos, à apresentação crua de fatos – através da montagem. A partir desses três movimentos – inflexão subjetiva, apropriação e reencenação – buscaremos, assim, pensar o ensaio fílmico como obra de arte politicamente potente. |
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Bibliografia | ADORNO, Theodor W.. O ensaio como forma. In: ______. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades, 2003, pp. 15-45.
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