ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Iniciação a uma fenomenologia da encenação documentária |
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Autor | Fernão Pessoa Ramos |
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Resumo Expandido | Ao propormos uma fenomenologia da encenação documentária estamos lidando, de modo simultâneo, com narrativas em que predominam vozes (em over/off), falas (corpo em campo) e imagens, que enunciam através de asserções sobre o mundo e/ou expressões líricas ancoradas na experiência do eu subjetivo. Pode-se, no documentário, abandonar a discursividade assertiva e flexibilizar a matéria imagética-sonora pela densidade do 'eu' que enuncia. Sem abandonar o campo que define sua particular narrativa como documentário. O importante, na definição do horizonte conceitual, é negarmos parâmetro ético exclusivo a procedimentos estabelecidos na fragmentação, ou achatamento, da entidade subjetiva que sustenta essa narrativa. Isto posto, teremos liberdade para trabalhar com a tradição documentária como um todo, em sua dimensão histórica. Sem buscar adequar a extensão diacrônica do campo a demandas normativas que correspondem a valores estritamente contemporâneos.
Definida a narrativa documentária em suas modalidades, com colorações mais assertivas ou líricas, ou ambas alternadamente, poderemos caminhar para a análise que recorte um fio teórico no campo que estou chamando de fenomenológico. E o fio do novelo me parece claro. Trata-se de nos debruçar sobre o momento fundador da imagem-câmera, a tomada propriamente. As imagens-câmera com origem em tomada, certamente não esgotam o campo imagético do documentário: imagens animadas, digitais ou não, sempre estiveram presentes, mesmo nos documentários mais clássicos. Ao colocarmos no centro de nossa análise a circunstância da tomada que compõe as imagens-câmera, abrimos espaço para trabalharmos de modo efetivo com o que iremos denominar a encenação documentária. A encenação documentária recai principalmente sobre a ação do corpo na circunstância da tomada, ao se oferecer, interagindo com outros seres e coisas, à máquina câmera corporificada por um sujeito que a sustenta no mundo. O corpo na cena documentária compõe e define o espaço cênico pela presença da câmera, singularizando, nessa ênfase, uma forma narrativa e uma forma imagética (a imagem-câmera). Ao oferecer-se à câmera, e à instância fundadora de subjetividade que sustenta a câmera, o corpo na cena documentária lança-se ao espectador. A máquina câmera na tomada incorpora, dá propriamente corpo, a uma subjetividade que chamo 'sujeito-da-câmera'. A presença da câmera flexiona a tomada, pois tem o dom de trazer para seu centro de gravidade a presença futura do espectador. Ela, máquina câmera, deforma (ela na realidade forma) a ação do corpo na tomada jogando (e trazendo) a alteridade espectatorial pela presença do sujeito-da-câmera. A essa flexibilização da ação de um corpo na tomada, atraído pela força de gravidade do sujeito-da-câmera, chamamos de 'encenação documentária'. À flexibilização da expressão de afeto (fisionomia de um sorriso em primeiro plano, oferecendo-se para câmera), sentindo a força de gravidade da presença do sujeito-da-câmera na tomada, também chamamos 'encenação documentária'. A encenação documentária é composta pela ação do corpo e pela afecção (expressão de afeto) na tomada, conforme mais ou menos marcada pelas diferenciadas formas de presença do sujeito-da-câmera. Podemos localizar, na história do cinema, duas formas dominantes de mise-en-scène, ou encenação documentária: o que chamo de 'encenação direta' e 'encenação construída'. Pretendemos, na comunicação, abordar as particularidades de ambas na diversidade de sua configuração autoral. |
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Bibliografia | Merleau-Ponty, Maurice. Le primat de la perception et ses conséquences philosophiques. Paris, Cynara, 1989.
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