ISBN: 978-85-63552-11-2
Título | Terpsícore e o cinema: reflexões sobre a dança visual |
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Autor | Cristian Borges |
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Resumo Expandido | Porque o mundo se move, tudo o que se encontra nele move-se consigo. Logo, ainda que pareça imóvel, nada de fato o é. Assim ocorre com o cinema, arte que carrega, já em seu nome, a difícil tarefa de registrar e reproduzir o movimento da vida, dos seres e do mundo. E porque tudo no cinema é movimento, torna-se tanto mais urgente frisar que nele não é o movimento que seria aparente, como se costuma afirmar há algum tempo, mas a imobilidade. Pois se o filme e o cinema só existem enquanto algo que se move – registrando e reproduzindo o movimento mais ou menos natural dos seres e das coisas – esse mesmo movimento é nele algo inerente e não aparente, como pretendem alguns. Assim, se há algo de não espontâneo, não natural no cinema – como na dança, já nos lembrava Paul Valéry em sua reflexão sobre Degas – é justamente a imobilidade. Não por acaso, duas das maiores artistas da dança moderna, Loie Fuller e Isadora Duncan, consideravam o movimento, respectivamente, como instrumento – “um instrumento através do qual a dançarina lança no espaço vibrações e ondas de música visual” – e como vontade – “o movimento do universo, condensado num indivíduo, torna-se aquilo que chamamos vontade”. Duncan afirmaria, ainda, que “um movimento só é verdadeiro se ele sugerir uma sequência de movimentos” e, tomando exemplos nos vasos gregos e nos baixos-relevos antigos, ela insistiria em afirmar que nessas imagens aparentemente estáticas “não há uma única em que o movimento não pressuponha um outro movimento”. Domenico da Piacenza, numa obra de 1425, De la arte di ballare et danzare, discorre sobre a noção de “dança fantasmata”, em termos de uma “vivacidade corporal” que consiste em “uma interrupção repentina entre dois movimentos, contraindo virtualmente em sua própria tensão interna a medida e a memória da série coreográfica inteira” (Agamben). Uma operação que lida, portanto, com a memória, através de uma composição de fantasmas numa série temporalmente e espacialmente ordenada que, como salienta Nicole Brenez, apresenta-se como “a repercussão da interrupção no movimento e a gênese do movimento na imobilidade”. De certo modo, é como o desdobrar da suspensão em cascata proposta pelo cinema: a espera da pose fotográfica multiplicada pela passagem cinematográfica. O que se pode verificar, por exemplo, no curta-metragem de Norman McLaren, Pas de deux (1968) – no qual os movimentos de uma dançarina ou de um casal de dançarinos são efetivamente multiplicados, entre fixos e dinâmicos, chegando a anunciar movimentos futuros e a recuperar outros, passados. Não nos referimos aqui especificamente ao cinema musical, pois, da mesma forma que alguns estudos mais avançados de som no cinema enxergam uma “musicalidade visual” intrínseca às imagens em movimento desde o cinema silencioso, poderíamos facilmente identificar uma espécie de “dança visual” nessas imagens, mesmo em filmes não musicais ou não musicados. Essa “dança” – aliás, como boa parte da dança contemporânea propriamente dita – não implica necessariamente no uso da música ou mesmo de uma concretude sonora; são os próprios movimentos, dos corpos e das coisas (cenário, objetos de cena, etc.), que ditam o ritmo dessa estranha valsa. |
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Bibliografia | Agamben, G. “Nymphae”, in Image et mémoire: écrits sur l’image, la danse et le cinéma, Paris: Desclée de Brouwer, 2004, p. 37-69.
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